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Escultura da Grécia Antiga é uma expressão que usualmente se refere às obras
escultóricas criadas na
Grécia entre o
período Dedálico
(650-600 a.C.), quando a arte grega começou a formar um estilo próprio
original, e a época do seu último florescimento importante, na chamada
era
Helenística, que durou até cerca de
100 a.C., quando o país já estava sob domínio
romano.
A escultura é uma das mais importantes expressões da
cultura grega.
Além de possuir grandes méritos artísticos intrínsecos, tanto no
terreno do conceito como da técnica e da forma, foi instrumento
utilíssimo, sendo veículo e ilustração de uma série de valores daquela
sociedade, estando ligada a inúmeras esferas da vida e do saber, como a
religião, a política, a ciência, a decoração de espaços e edifícios
públicos, o esporte, a educação, e outras. Mais do que isso, inseminou
uma grande variedade de outras culturas da
bacia do Mediterrâneo, penetrou até a
Índia durante a época de
Alexandre, o Grande, exerceu decisiva influência sobre a
escultura romana, como antes havia feito com a
escultura etrusca, definiu muitos dos principais parâmetros da arte da
Renascença e do
Neoclassicismo, e é uma referência das mais relevantes mesmo nos dias de hoje para toda a cultura do
Ocidente.
Centrada na representação do homem e de deuses antropomóficos, embora
se manifeste também em uma grande diversidade de outros sujeitos,
alguns dos cânones formais para o corpo humano que introduziu foram uma
criação inédita na história da arte mundial, estabelecendo uma bem
sucedida aliança entre a imitação realista e quase científica das formas
naturais e sua idealização, e ainda hoje são largamente prestigiados
como modelos de beleza. Também foi importante na inauguração de um novo
ramo filosófico, a
estética. Algumas de suas obras mais destacadas se tornaram ícones populares, como a
Vênus de Milo, o
Apolo Belvedere e a
Vitória de Samotrácia, e os nomes dos seus artistas mais importantes, entre eles
Fídias,
Policleto e
Praxíteles, são aureolados de grande fama.
Os períodos estilísticos
Antecedentes: Período Geométrico
As raízes da cultura grega clássica podem ser estabelecidas no
Período Geométrico (c. 900 - 700 a.C.
1 ), quando diversas transformações sociais importantes levaram à formação da
cidade-estado, o núcleo social urbano onde nasceu a maior parte da arte subsequente. Desenvolve-se o
alfabeto grego, o comércio se intensifica com a
Ásia Menor e o sul da
Itália
e se fundam diversos templos. Desta fase sobrevive uma variedade de
artefatos, entre cerâmicas, adornos, armas e estatuetas votivas de
bronze e barro, mostrando formas altamente estilizadas, evidenciando uma
artesania de considerável habilidade, mas não há traços de estatuária
de grande porte.
2
Período Dedálico
A hipótese de que a estatuária de grandes dimensões evoluiu
diretamente das estatuetas votivas tem poucos defensores, já que as
peças mais antigas diferem radicalmente da produção do período Dedálico e
sua seqüência. É possível que alguma inspiração tenha vindo da
Síria,
que mantinha na época algum contato com a Grécia e havia desenvolvido
uma arte estatuária significativa, e permaneceu por algum tempo como um
referencial para as regiões asiáticas da Grécia. O
Egito é apontado como outra influência, mais importante para a Grécia européia.
3 Registros informam que escultores de
Samos aprenderam seu ofício em oficinas egípcias.
4
O estilo hierático, impessoal e frontal dos egípcios tem similitude com
as primeiras estátuas de grande porte produzidas na Grécia durante este
período, já com um estilo caracteristicamente grego, do tipo dos
kouroi e das
korai, o que reforça a suposição. Mesmo com estas influências prováveis, a escultura grega é em boa parte uma criação original.
3 5
O Período Dedálico (c.650-600 a.C.) foi assim denominado em homenagem a
Dédalo,
o herói mítico que é tido como inventor da arte da escultura. As
características marcantes nesta fase, que mostrou grande homogeneidade,
são a rígida frontalidade, o modelado achatado do corpo e o desenho
simplificado da anatomia, que é antes uma idealização do que uma
observação da natureza. O rosto é esquemático em forma triangular, com
testa baixa, olhos e nariz grandes, e boca inexpressiva. As orelhas
podiam ser omitidas ou tinham implantação perpendicular ao crânio, e o
cabelo cai em grossas madeixas. As pernas são usualmente longas e a
cintura é alta e estreita.
6
No caso das estátuas femininas (
kore, plural
korai), elas aparecem com longas túnicas, mas nas masculinas (
kouros, plural
kouroi)
a nudez é a regra. Estes dois tipos permaneceriam dominantes também ao
longo de toda a fase Arcaica, junto com o da mulher vestida e sentada.
Nos relevos, porém, aparecem maior variedade de posições, figuras em
grupos, seres mitológicos e animais. Para a representação do movimento
nos relevos é adotada uma fórmula similar à usada nas pinturas de vasos
do Período Geométrico, com o peito e cabeça frontalizados, mas com a
parte do corpo abaixo da cintura em perfil.
6
Ainda que aqueles três tipos principais tenha sido todos muito comuns, o
kouros, com sua
anatomia
completamente exposta, assumiu uma importância superlativa para o
desenvolvimento da escultura, já que a sociedade grega só viria a
permitir a exposição do corpo feminino desnudo em torno do
século IV a.C.. O tipo do
kouros
se define por uma figura masculina nua, jovem e imberbe, com a perna
esquerda à frente e os braços caídos rigidamente junto ao corpo, com
raras variações neste padrão. A
koré está sempre vestida, também é
uma jovem e tem os pés juntos, e sua postura tem um pouco mais de
variedade do que a sua contraparte masculina, e seus braços podem pender
ou se dobrar, cruzando sobre o peito, ou se apenas um deles se move,
pode estar voltado para a frente. Os
kouroi não eram produzidos meramente com fins
estéticos, mas eram oferendas religiosas colocadas em
santuários, marcavam a
tumba
de alguma personalidade ou eram monumentos públicos, e não
representavam pessoas individualizadas, sendo antes a corporificação de
algum ideal de beleza, honra, virtude, piedade ou sacrifício.
6
Período Arcaico
O Período Arcaico (c. 600-500 a.C.) foi definido por uma progressiva
urbanização da Grécia, com o crescimento do comércio e o estabelecimento
das primeiras grandes cidades com sua aristocracia enriquecida. Com
isso se desenvolve também a arquitetura, e com ela a decoração
escultórica monumental, e o
mármore desloca a
cerâmica como o material de eleição, especialmente para as obras importantes. A cultura florescia nas cortes dos
tiranos, e ali se cristalizou um corpo de conceitos éticos e educativos que teriam reflexo na arte: a
paideia
(παιδεία), significando um processo de educação completa e integral que
almejava a formação de um cidadão exemplar apto para assumir qualquer
função na sociedade, inclusive o governo supremo. A
paideia envolvia conceitos correlatos como a
aretê (ἀρετή), um conjunto de concepções a respeito da nobreza de caráter e aptidão física e militar; a
kalokagathia (καλοκαγαθία), um ideal de equilíbrio perfeito entre as virtudes físicas e morais associando beleza com bondade, e a
sophrosyne (σωφροσύνη), um ideal de autocontrole, disciplina e moderação.
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Tais conceitos são expressos na escultura através da desenvoltura
técnica recentemente conquistada pelos artífices, e se torna aparente no
porte majestoso e na atitude de inabalável confiança e altivez mostrada
pelos
kouroi deste período. Seu desenho ainda era resumido às
feições essenciais, mas sinais de uma observação mais atenta da anatomia
se mostravam no progressivo detalhamento da
musculatura e da estrutura subjacente do
esqueleto, com um modelado com maior profundidade e uma sugestão de movimento real. No caso das jovens, as
korai, observa-se uma variedade maior de atitudes e nos padrões do drapeado das vestes. A frontalidade permanece como o
cânone
oficial, e desvios desta regra são raros e podem ser atribuídos a
necessidades específicas da peça, como a cabeça em 3/4, no caso famoso
do
Cavaleiro Rampin, já que a cabeça do cavalo poderia impedir a
visualização adequada do rosto do cavaleiro, ou quando a figura carrega
algum objeto, como no
Moscóforo do mesmo museu, ou quando se trata de uma
esfinge a ser vista lateralmente, quando a posição da cabeça pode ser encontrada em ângulo reto em relação ao corpo.
Neste período percebe-se uma divisão em duas tendências estilísticas,
uma ainda sob influência síria, com um centro produtor principal em
Samos, e outra mais apegada ao estilo egípcio, com seu centro na
Ática. Começam a ser registrados alguns nomes de escultores importantes, como
Arístocles de
Sidônia,
Kanacos de
Sicião e
Hegias de Atenas, aparece o chamado
sorriso arcaico
nas estátuas, e o corpo humano firma-se então definitivamente como
objeto e assunto principal da arte grega. Um dos tipos principais de
escultura, o
kouros, era sempre nu, e no período Arcaico ele era
ainda mais nu do que durante a fase Dedálica, quando muitas vezes o
jovem portava um cinturão. Assim, os problemas de representação
anatômica não mais poderiam ser ignorados, e nota-se maior atenção à
observação do natural, embora as formas ainda devessem se encaixar no
esquema geral idealizado.
8
Por volta do fim do século VI a.C. o detalhamento nas formas
corporais havia chegado a um grau avançado, o esquema da frontalidade já
não se adequava ao naturalismo anatômico conquistado, e as figuras
adquirem movimento, embora ainda com certa rigidez. Nos relevos o
progresso é evidenciado pelo surgimento da lateralização do tronco e da
cabeça, na criação de grupos de figuras em sobreposição parcial, e no
modelado que adquire maior profundidade. As figuras de monstros
mitológicos se tornam mais raras e nos animais é privilegiado o cavalo, e
em menor grau o leão e a esfinge. Também surgem os primeiros exemplos
de escultura ornamental nos edifícios, tipificada pelos grupos
instalados nos
frontões dos templos, sendo os mais antigos os do templo de
Ártemis em
Corfu. Outro exemplo monumental, já com significativo avanço na flexibilização das figuras é a
Gigantomaquia criada por
Endoios para o frontão do templo Arcaico dedicado a
Atena erguido na
Acrópole de Atenas por volta de 525 a.C.
8
No Período Arcaico começa a difusão da estatuária grega pelas colônias na
Magna Grécia e nas áreas orientais do
Mediterrâneo, influenciando as culturas estrangeiras em contato com elas, como a
etrusca, a
cipriota, a
fenícia
e mesmo a síria, que antes havia inseminado a própria Grécia. Elementos
do estilo Arcaico conheceram momentos de ressurgência até mesmo durante
as fases Clássica e Helenística, e na arte romana algumas escolas
demonstraram um apreciável interesse pelo arcaísmo em sínteses
ecléticas.
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Detalhe do Cavaleiro Rampin, com o sorriso característico do período arcaico, c. 550 a.C. Museu da Acrópole de Atenas
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Período Severo
Como transição entre o Período Arcaico e o Período Clássico está a
fase conhecida como Período Severo (c.500-450 a.C.) justamente pelo seu
repúdio ao decorativismo. A fundação de vários templos, favorecendo a
aplicação dos novos conhecimentos anatômicos na estatuária
pedimental e nos relevos, e mais a ascensão da burguesia urbana, a secularização dos costumes e a introdução da
democracia em
Atenas, levaram ao fim a cultura aristocrática epitomizada pelos
kouroi, com um resultado visível na mudança importante no estilo e na função da estatuária, que abandona a uniformidade dos
kouroi votivos para representar também os atletas vencedores dos
Jogos, os líderes políticos e generais, e as várias
divindades.
10
A arte é revolucionada com a introdução de concepções novas, que a
libertam de seu utilitarismo e lhe conferem certa autonomia. Com uma
civilização já em pleno florescimento, os gregos já se sentiam mais
seguros e livres da pressão imediata da luta pela vida e se aprofundam
na
filosofia.
Hauser afirma que nesta fase
"o
conhecimento prático dá lugar ao exame livre, meios de dominar a
natureza passam a ser métodos de descobrir a verdade abstrata. E assim a
arte, que começou por ser um mera servidora da magia e do ritual (…),
torna-se até certo ponto uma atividade pura, autônoma, desinteressada,
praticada pelo seu próprio valor e pela beleza que revela.".
11
Em linhas gerais esta fase se caracteriza por um progressivo
incremento no dinamismo das figuras, os braços ganham em liberdade, o
torso
se flexibiliza e há maior detalhamento e suavização da anatomia. O
modelado da cabeça se harmoniza com o do corpo, os detalhes são
reduzidos a um mínimo com ênfase nos traços anatômicos principais, o
sorriso arcaico tende a ser substituído por uma expressão séria e
distante, e aparecem representações mais verossímeis da velhice, embora
ainda exista grande idealismo nas formas. Nesta fase é formulado o
chamado
perfil grego, unindo a testa e o nariz em uma linha retilínea, e o bronze começa a se tornar um material de uso freqüente.
10
Indicativo dos progressos do período é o
Efebo de
Crítio, dos primeiros exemplos a mostrar uma sugestão do
contrapposto, um movimento nas
ancas
que surge quando a figura se apóia em uma das pernas enquanto a outra
se encontra em repouso. O mesmo desenvolvimento formal se nota nos
relevos, com crescente complexidade das cenas e das formas anatômicas.
Exemplo superior desta época é o conjunto escultórico do templo de
Zeus em
Olímpia, realizado por um artista desconhecido chamado
Mestre de Olímpia
e seus auxiliares. Neste grupo decorativo são encontradas pela primeira
vez na arte grega características que seriam retomadas somente na fase
Helenística bem mais tardia, como o extraordinário dinamismo nas cenas e
expressões emocionais intensas. Outro exemplo de grande importância são
as estátuas decorativas do
Templo de Afaia, em
Egina, hoje preservadas na
Gliptoteca de Munique. Dentre os relevos se destaca o
Relevo dos jogadores de bola, de c. 510 a.C., sendo um verdadeiro compêndio de anatomia e
cinesiologia, com uma série de figuras em variadas posições.
10
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Crítio: Efebo, c. 480 a.C., Museu da Acrópole de Atenas
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Estatuária pedimental do Templo de Afaia, Gliptoteca de Munique
-
O
Bronze de Artemísion, possivelmente
Poseidon ou
Zeus, c. 460 a.C., Museu Arqueológico Nacional de Atenas
-
Período Clássico
Uma rápida evolução na técnica e no estilo leva ao classicismo grego
(c. 450-323 a.C.), período em que se realizam as mais importantes e
seminais conquistas no terreno do naturalismo, ao mesmo tempo em que
perduram uma série de convenções estritas a respeito de proporções e
ordem, dando origem a uma síntese sem paralelos no mundo antigo e que
até hoje permanece uma referência vital para a arte e cultura de grande
parte do mundo..
12
O primeiro grande centro produtor do classicismo é Atenas,
acompanhando sua hegemonia e esplendor, construindo uma sociedade
democrática - para os padrões da época - e que prezava a liberdade
individual, favorecendo uma arte mundana. O interesse gradualmente se
desloca do geral para o particular, do simples para o exuberante, e a
representação anatômica chega a um estágio de grande verossimilhança,
com maior estudo da musculatura do tronco e membros em detrimento da
face, que perde em expressividade embora ganhe em semelhança e
detalhamento, surgindo os primeiros retratos. Os panejamentos e mantos
das vestes recebem atenção especial e adquirem variedade como
complementos formais importantes para a figura humana, as posições são
muito variadas, e as esculturas abandonam definitivamente a frontalidade
para receberem acabamento por igual em todas as suas partes, de forma a
poderem ser apreciadas de todos os ângulos.
13
Também começam a ser registradas as atividades de artistas que
formariam importantes escolas e estabeleceriam padrões de proporções
ainda empregados atualmente. O primeiro autor notável, vencendo
definitivamente a rigidez reminiscente do período Arcaico, foi
Míron, criador do célebre
Discóbolo, onde as tensões do movimento são exploradas com maestria e realismo. A seguir vem
Fídias, que levou a estatuária grega ao seu primeiro momento de real esplendor. Foi autor de estátuas colossais como o
Zeus de Olímpia e a
Atena Partenos,
imagens dotadas de grande majestade, das quais hoje subsistem
infelizmente apenas cópias menores ou descrições. Mais dinâmicas são as
esculturas do pedimento do Partenon. Outras obras atribuídas a ele ou à
sua escola são o
Apolo de Kassel e a
Atena Lemnia. Dentre seus seguidores estão
Alcamenes e
Crésilas. Contemporâneo de Fídias foi
Policleto, de fama igualmente vasta, criador de um
cânone de proporções ideais do corpo humano que encontrou expressão magnífica em obras como o
Doríforo, o
Discóforo e o
Diadúmeno.
13 14
Atenas caiu em 404 a.C., no fim da
Guerra do Peloponeso,
e conseguiu contudo preservar sua influência cultural por mais algum
tempo, mas instaura-se uma certa confusão política na Grécia e novos
valores são introduzidos na sociedade, e o ideal aristocrático de vida e
educação é posto em xeque pela burguesia que vinha enriquecendo mas era
bem menos culta e baseava seu julgamento em critérios antes de tudo
emocionais e estéticos. Assim prolifera uma arte que privilegia aspectos
puramente plásticos e sensoriais, o retrato se populariza e a
dissolução de diversos
tabus
possibilita a abordagem de temas antes vedados, como o nu feminino. O
cidadão, enfim, assume a dianteira em relação ao Estado como o principal
patrocinador da arte. Reflexo destas mudanças, que em arte definem o
chamado baixo classicismo, ou classicismo tardio, é o deslocamento dos
deuses mais antigos e austeros, como
Hera e
Atena, em favor dos olímpicos jovens e dinâmicos, como
Apolo,
Ártemis e
Afrodite.
15 16 17
Eufranor
adaptou o cânone de Policleto e representa a evolução da escultura
grega em direção ao uma escola mais realista, sensual e delicada, de
cariz mais humano e menos augusto e idealizante, que teria grandes
expoentes em
Praxiteles,
Lísipo e
Escopas já no
século IV a.C.,
e que apontariam o caminho para o desenvolvimento do estágio
helenizante a seguir. Praxiteles, o mais famoso deles, foi o primeiro a
introduzir o nu feminino em escala natural com a sua
Afrodite de Cnido, uma das criações mais influentes e celebradas do classicismo grego, definindo um cânone de proporções para a figura feminina.
18 Hermes com o infante Dionísio e o
Apolo Sauróctono são outras de suas obras conhecidas.
Lísipo, de longa carreira, chegou a ser o escultor predileto de
Alexandre Magno, e introduziu, segundo
Plínio, um novo cânone de proporções, com uma figura mais alongada, de cabeça menor, que seria importante no período do
Helenismo. Seu
Apoxiômenos
é tido como o primeiro exemplo de escultura completamente
onidirecional, ou seja, satisfatória em todos os ângulos em que é
apreciada.
17 Seu discípulo
Carés de Lindos foi o autor do célebre
Colosso de Rodes, uma das
Sete Maravilhas do mundo antigo. Escopas participou da decoração escultórica do
Mausoléu de Halicarnasso,
outra das Sete Maravilhas, e celebrizou-se entre seus contemporâneos
pelo intenso dramatismo de suas figuras. Outro grande representante
desta fase é
Leocarés, tido como autor da
Diana de Versalhes e do paradigmático
Apolo Belvedere, considerado pelos neoclassicistas do
século XIX
a mais perfeita expressão do ideal de equilíbrio e majestade típicos do
alto classicismo grego, influenciando gerações de artistas.
19
No campo da escultura funerária e nos relevos abandona-se o caráter
impessoal e são retratados grupos familiares, bem como indivíduos
isolados, de tocante sensibilidade, em atitude de
luto sereno por seus parentes falecidos. São notáveis a
Estela de Hegesos, de c. 410 a.C., os frisos do templo de
Atena Nice na Acrópole de Atenas, a
Estela do caçador, atribuída a Escopas, e a
Estela de Dexileu, c. 394 a.C., hoje no
Museu Arqueológico de Cerâmico.
19
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Cópia de Míron: Discóbolo, c. 455 a.C a.C., Gliptoteca de Munique
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Cópia moderna de Lìsipo: Apoxiômenos, ca. 320 a.C., original nos Museus Vaticanos
-
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Praxíteles: Afrodite de Siracusa, cópia romana. Museu Arqueológico Nacional de Atenas
-
Praxíteles: Hermes carregando o infante Dionísio. Museu Arqueológico de Olímpia
-
Eufranor:
O efebo de Antikythera, c. 340-330 a.C. Museu Arqueológico Nacional de Atenas
Período Helenístico
A transição para o Período Helenístico (c. 323-27 a.C.
20 ) ocorreu ao longo do século IV a.C., seguindo as conquistas de Alexandre Magno, que levou a arte grega até a
Índia.
Esta incursão pela Ásia fez com que numerosos artistas entrassem em
contato com as culturas locais e delas recebessem influências, ganhando
em diversidade de temas e formas de tratamento. Ao mesmo tempo se
estabeleceram novos centros de produção, notadamente em
Alexandria e
Antioquia, além de
Pérgamo.
Neste período o centro de gravidade se desloca para o Oriente, e surge
um estilo internacional que é uma fusão polimorfa de uma variedade de
influências. Os artistas passam a viajar a trabalho para diversos locais
incrementando o intercâmbio de conhecimentos e valores estéticos e
culturais, e os filósofos
sofistas e
estóicos introduzem uma reformulação do antigo conceito de
arete,
já não mais baseada em privilégios de classe ou de nascimento e mais
ligada a valores puramente humanos e racionais, refletido a sociedade
profana, eclética e capitalista de então.
21
O Período Helenístico na escultura grega é dos mais complexos e menos
compreendidos, em função da multiplicidade de influências que se cruzam
e da ausência de um único centro difusor. Em seu início continua a
grande tradição do auge do classicismo, criando obras perfeitamente
modeladas em todos os ângulos, mas já estudando efeitos de transparência
no vestuário, aproveitando os jogos de luz com finalidades estéticas e
expressivas, e enfatizando a variedade de posturas e sentimentos,
criando um repertório de formas inteiramente novo e que muitas vezes
tinha um caráter historicista, resgatando elementos de períodos
anteriores. Os escultores já não se sentiam obrigados a retratar o
ideal. São introduzidos temas como o sofrimento, o sono, a morte, a
infância e a velhice, que ofereciam formas e expressões ainda pouco
exploradas.
22 23
Busca-se acima de tudo expressividade e "atmosfera", especialmente flagrantes nos
retratos, onde mais que a exatidão da
fisionomia é desejada a representação do
caráter ou vida interior do personagem. Extraordinária na produção helenística é
Maronis (ou
A velha bêbada), com cópias em
Munique e em
Roma,
que mostra sem reservas uma mulher envelhecida, cheia de rugas e com
face contorcida, agarrada a um vaso de vinho. Outra obra impressionante é
o
Laocoonte, de
Agesandro,
Polidoro, e
Atenodoro, envolvido em serpentes junto com seus filhos, num momento de desespero e com a musculatura em extremos de tensão.
22
Em torno da metade dessa fase
Pérgamo se destaca dentre os novos centros produtores de escultura, com autores como
Phyromachos,
Niceratos,
Epígonos e
Xenócrates
produzindo uma série de obras cuja expressividade e dinamismo poderiam
ser chamados de "barrocos". Estas características encontrariam um ponto
alto no grandioso
Altar de Pérgamo, decorado com uma
Gigantomaquia de 100 m de extensão. O
estilo Pergamenho,
contudo, não se confinou à cidade cujo nome emprestou, difundindo-se
para toda a Ásia Menor, e tampouco em Pérgamo ele foi cultivado com
exclusividade, havendo ali outras escolas mais classicistas.
23 Por volta do
século II a.C. outro forte elemento modificador vem de
Roma,
por constituir um novo e grande mercado consumidor de estatuária, com
preferências próprias. Absorveram muito da tradição grega e por sua vez
influenciaram-na em direção de uma recuperação do classicismo, mas
introduzindo temas como crianças, animais e pessoas comuns.
22
Outro fator importante para a divulgação do estilo foi o grande
crescimento nessa fase da demanda por estatuária, em virtude das
numerosas cidades helenísticas que foram sendo fundadas no
Egito,
Síria e
Anatólia,
e que precisavam de imagens de deuses para o culto nos templos, ou de
heróis para seus monumentos. Essa expansão no mercado deu lugar a certa
padronização e alguma queda na qualidade geral, embora os grandes
mestres continuassem a exercer o ofício com vigor e habilidade técnica
impecável, como provam a
Vitória de Samotrácia, a
Vênus de Milo e o já mencionado
Laocoonte,
todas dos séculos II ou I a.C. De fato, comparando-se a habilidade
técnica dos escultores clássicos com os helenistas, é obrigatório
conceder a estes a primazia, mesmo que o valor estético de sua produção
seja algumas vezes questionado. Mas eles conseguiram um maior
entendimento da anatomia e resultados mais refinados no acabamento de
superfícies, e estes conhecimentos mais profundos foram aplicados
seletivamente e com agudo senso de adequação para cada tema abordado.
23
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A Vitória de Samotrácia, c. 190 a.C., Louvre
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Velho pescador, mármore negro e alabastro, cópia romana de original helenístico. Louvre
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Os materiais
A maior parte das obras gregas que chegou aos dias de hoje é feita em pedra, especificamente o
mármore branco. Nos primórdios da sua cultura foi usada
madeira, e também a
terracota,
que perdurou por mais tempo. O bronze foi largamente empregado a partir
da fase clássica, bem como ocasionalmente se fez uso de
marfim,
ouro, pedras nobres e outras matérias-primas.
Madeira, marfim e metais preciosos
A madeira foi usada especialmente na fase arcaica em estatuetas de culto, as
xoana,
embora nenhum exemplar tenha sobrevivido, dada a fragilidade do
material. De outros tipos de escultura em madeira também quase nada
restou senão escassos fragmentos, como partes de uma imagem de Hera
preservada no
Museu Arqueológico de Samos. A madeira foi também empregada como base para coberturas de bronze, ouro ou prata, uma técnica conhecida como
sphyrelaton, aprendida dos
hititas e egípcios, igualmente para imagens votivas. Relíquias neste gênero foram encontradas em
Creta, datando do século VIII a.C., e em
Delfos, cujo
Museu Arqueológico preserva a cobertura de um grande touro em prata, cujo cerne de madeira já não existe.
24
Ali também estão depositados fragmentos de estátuas de deuses na
técnica criselefantina, que aplicava lâminas de ouro e marfim sobre uma
base de madeira. Altamente apreciada, mas rara e custosa, seus exemplos
mais notáveis foram as infelizmente desaparecidas estátuas colossais de
marfim e ouro representando Zeus e Atena, de Fídias, que outrora estavam
entronizadas nos templos dos deuses respectivos em Olímpia e em Atenas.
Aparentemente a técnica era empregada em outros tipos de decoração, já
que Pausânias deixou uma descrição de um cofre em ouro e marfim adornado
com cenas da
Guerra de Troia, que teria permanecido em exibição em Olímpia até alguns séculos depois de
Cristo. Em marfim puro subsiste maior número de peças, arcaicas, de motivo religioso, a maior parte sendo
ex-votos de figuras humanas e animais, dos quais exemplos importantes são os encontrados no templo de Artemis Orthia em
Esparta, que traem influência oriental.
Terracota
Usada desde os tempos arcaicos, a
argila
cozida serviu para a confecção de inúmeras estátuas votivas e elementos
de decoração arquitetural. São significativas as originais estatuetas
com membros articulados encontradas na
Beócia,
produzidas no século VIII a.C., geralmente de proporções não-anatômicas
e acabamento grosseiro. Com a passagem do tempo a tosca imaginária
religiosa de cunho popular em terracota cedeu lugar a representações do
cotidiano em um estilo progressivamente mais refinado, encontradas em
abundância em importantes centros de produção como
Tanagra a partir do século IV a.C., e também em Alexandria,
Esmirna e
Tarso,
embora nestes últimos locais o estilo permanecesse mais grotesco.
Estátuas de grandes proporções são raras, uma exceção notável é o grupo
de
Zeus raptando Ganimedes, hoje em Olímpia, realizada em torno de 470 a.C..
25 26
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Dama em azul, terracota pintada e dourada de Tanagra, c. 300 a.C., Louvre
-
Bronze
O bronze foi usado desde épocas tão antigas como a cultura
micênica, mas depois foi praticamente abandonado, só sendo redescoberto sob influência do
Oriente Próximo e do Egito na fase arcaica. Empregando técnicas variadas como o martelado, o
sphyrelatos e a fundição maciça, este material teve uma difusão enorme a partir da descoberta, por
Rhoicos, no século IV a.C., da técnica da
cera perdida, que tornou mais eficiente o processo de
fundição, economizava material e possibilitava a multiplicação de réplicas a partir do mesmo
molde. Da mesma forma possibilitava a criação de peças mais virtuosísticas e detalhadas.
24
Os
Bronzes de Riace, período Severo, Museu Nacional da Magna Grécia
Desde esta inovação o bronze se converteu em material de predileção
dos escultores, e obras-primas como as esculturas canônicas de Policleto
foram todas executadas originalmente no bronze. Infelizmente as mesmas
qualidades que o tornaram um material favorito foram a causa do quase
total desaparecimento de exemplares em épocas mais tardias. Depois da
ascensão do
Cristianismo como religião dominante na
Europa, sendo as esculturas gregas consideradas ímpias, relíquias de uma cultura
pagã,
ainda mais por sua multitude de figuras nuas, imensa maioria da
estatuária em bronze foi destruída para ter seu material reaproveitado
sob forma de armamentos, canhões ou outras obras de arte e decoração.
24
Hoje são raridades as esculturas gregas originais em bronze, mas as
poucas que sobreviveram demonstram cabalmente o elevadíssimo nível
técnico e artístico a que chegou esta produção, como o
Auriga de Delfos, o
Deus do Cabo Artemísion, o
Jóquei do Cabo Artemísion, os dois guerreiros do
Museu Nacional da Magna Grécia (os célebres
Bronzes de Riace), e poucas mais.
27
A técnica foi desenvolvida com tal refinamento que em algumas
estátuas era aplicados detalhes em prata, ouro, cobre, madrepérola,
marfim, para se obterem efeitos de cor em gotas de sangue e simular
olhos e dentes reais. Assinale-se ainda que o famoso
Colosso de Rodes, uma gigantesca estátua de 30 m de altura colocada à entrada do porto de
Rodes, era feita em bronze.
Mas não foi apenas na estatuária que o bronze encontrou aplicação
exímia, permanecem testemunhos de uma artesania de primeira linha em
vasos, taças e
ânforas com elaborada decoração, que os tornam praticamente obras de escultura. Dos mais notáveis é a
Cratera de Derveni, com profusa decoração de figuras humanas e relevos.
28
Cavalo, período Severo, Museu da Acrópole de Atenas
Camafeu de Atena, fim do século I a.C., Biblioteca Nacional da França
Mármore
Um material utilizado principalmente na decoração escultural de
templos, tumbas e edifícios públicos, o mármore deixou inúmeras
relíquias também em relevos e algumas peças de estatuária, que datam de
todas as fases, embora no período clássico tenha se preferido o bronze
para a estatuária desvinculada da arquitetura. Nos primeiros tempos o
material era trabalhado com certa rusticidade, e com maior acabamento
nas regiões frontais, já que a estatuária tinha primariamente uma função
sacra e a frontalidade era um aspecto importante na concepção das
obras, perceptível até mesmo em fases tardias como o fim do classicismo:
o famoso
Hermes com Dionísio infante aos braços, de Praxíteles, tem um polimento brilhante e aveludado na frente, mas o dorso ainda guarda nítidas marcas do cinzel.
27
Com o desenvolvimento da técnica de talhe da pedra e com as
alterações no estilo ao longo dos séculos, passou-se a dar atenção a
todos os ângulos da estátua, o polimento se uniformizou por sobre toda a
superfície, e efeitos puramente plásticos de luz e sombra e
transparência também foram pesquisados e introduzidos.
27
Mas além de toda a enorme série de obras-primas em figura humana
descritas antes na seção sobre os períodos, os escultores, dentre eles
mesmo os mais célebres como Miron, Fidias e outros, produziram uma
infinidade de peças zoomórficas de grande qualidade. Exemplos belíssimos
da fase arcaica, com linhas límpidas e vigorosas, são os leões e
cavalos hoje no
Museu da Acrópole de Atenas, no
Louvre e no
Museu Arqueológico de Cerâmico. Da fase clássica note-se o
Touro de Dionísio, também no Museu Cerâmico, e os cavalos do Partenon, hoje no
Museu Britânico.
Pedras raras
A arte de gravação em gemas preciosas, considerada uma técnica de
escultura em miniatura, foi cultivada ao longo de toda a história grega.
Se conservam em vários museus coleções magníficas de selos,
camafeus
e entalhes esculpidos em pedras nobres como a ágata e a sardônica, que
serviam como jóias ou objetos de decoração, e que revelam um grande
domínio sobre o material e um gosto refinado na elaboração dos detalhes e
no aproveitamento dos efeitos de cor e transparências.
29
Dexâmeros de
Quios,
atuando no século V a.C., foi um dos primeiros grandes mestres da
técnica, criando selos e diminutos entalhes de grande perfeição em
jaspe e
calcedônia [30], embora os exemplos mais célebres datem da era helenística, como o chamado
Camafeu Gonzaga [31], representando os bustos de
Ptolomeu II e
Arsínoe conservado no
Museu Hermitage. Outras aplicações da técnica se estendem a vasos e taças, das quais a
Taça dos Ptolomeus é exemplo primoroso.
Autenticidade e interpretação
Variações na tipologia da
Afrodite de Cnido, de Praxíteles. À esquerda imagem impressa em moeda contemporânea de Praxíteles; ao centro a
Afrodite Altemps (bastante restaurada no século XVI), e à direita a
Afrodite Braschi, ambas cópias posteriores
Guerreiro do templo de Aphaia em reconstituição moderna da policromia original
Alguns aspectos técnicos devem ser lembrados na apreciação da
estatuária grega antiga. O primeiro deles é a fidelidade ao original.
Bom número de obras referenciais da produção grega só é conhecido
através de cópias romanas posteriores. É o caso das peças canônicas de
Policleto, do
Discóbolo de Míron, e das peças monumentais de
Fídias. Quando existem diversas cópias da mesma obra pode-se estabelecer
uma forma provável do original baseada em uma mediana entre os
exemplares disponíveis. Mesmo assim as diversas versões que existem da
Vênus de Cnido
de Praxíteles, com variações significativas nas proporções e detalhes,
evidenciam a incerteza que cerca a matéria. Quando existe apenas uma
cópia a possibilidade de divergência em relação ao original cresce, pois
não é possível determinar com certeza que grau de liberdade o artista
copiador tomou na realização de sua reprodução. Além disso outras peças
são de autoria duvidosa (são escassas as assinaturas), podendo ter sido
produzidas por diferentes mestres..
30
Outras ressalvas dizem respeito ao material usado, com implicações
quanto à composição geral. As obras canônicas de Policleto, por exemplo,
eram originalmente em bronze, mas as cópias remanescentes são de
mármore (salvo algumas cópias modernas de segunda geração), o que
acarreta alteração importante no desenho da obra especialmente em sua
base, já que o bronze pode suportar tensões estruturais impossíveis no
mármore, que usualmente requer um apoio substancial para o corpo humano
em forma de troncos de árvore, rochas ou outros objetos, para não
partir-se sob seu próprio peso. Entretanto em linhas gerais as
proporções e formas dos corpos crê-se que tenham sido preservadas
satisfatoriamente, dada a qualidade da artesania da maior parte dos
copistas.
30
Um último aspecto a ser levado em conta é o tratamento da superfície
da escultura. Hoje sabe-se que a maior parte da produção grega original,
senão a totalidade, recebia
pintura
em cores vivas nas roupagens, cabelos e outros detalhes, mas podia ser
inteiramente coberta de tintas, incluindo nas áreas de pele, e
apresentar complexos padrões geométricos no vestuário. Outros adornos
como coroas, cintos e armas em metal podiam também ser aplicados aos
mármores. Por exemplo, as esculturas do pedimento do templo de
Aphaia em
Egina
eram comprovadamente pintadas com extravagantes padronagens, e
Praxíteles considerava a pintura de superfície um elemento fundamental
do estilo e indispensável para o pleno efeito de suas criações. Inúmeras
estátuas de todas as épocas ainda preservam resíduos de
pigmento, detectáveis alguns visivelmente, outros através de instrumental apropriado.
3
Entretanto as tintas, por serem material menos resistente, com o
tempo se desvaneceram quase por completo, o que gerou a crença de que a
escultura grega era de pedra nua, influenciando a produção do
Renascimento e do Neoclassicismo inspirada em originais antigos, quando
toda estatuária foi criada deixando-se o mármore e o bronze aparentes.
Apesar de os círculos acadêmicos saberem pelo menos há 200 anos que as
obras gregas recebiam algum tipo de pigmento, aquela mesma crença levou a
diversas intervenções modernas de restauro desastrosas, como foi o caso
dos
Mármores de Elgin, retirados do Partenon e levados para a
Inglaterra, onde receberam um polimento drástico nos
anos 1930 que removeu a
pátina natural do mármore e todos os remanescentes de cor.
3 31
As últimas pesquisas indicam que a prática de pintura de superfície
era muito mais comum e extensiva do que se supunha até há algumas
décadas, e este conhecimento só recentemente vem recebendo mais
divulgação. Uma exposição intitulada
Bunte Götter (
Deuses Coloridos) patrocinada pela
Gliptoteca de Munique e que a partir de
2004 itinerou por várias capitais da Europa mostrou diversas cópias de peças originais com tentativas de reconstituição da
policromia,
com resultados surpreendentes e fascinantes que obrigam a uma revisão
de toda a apreciação contemporânea da estatuária antiga, especialmente
por parte do grande público..
32
A irradiação e persistência da tradição grega
A expansão da área de influência da escultura grega iniciou no Período Arcaico, quando os
etruscos decalcaram sua estatuária diretamente de modelos gregos,
33
mas se acentuou imenso no Helenismo, durante as viagens de conquista de
Alexandre Magno. O contato de artistas de seu séquito com as culturas
das áreas por onde passavam e nas cidades que iam sendo fundadas deixou
marcas nítidas na produção artística destes povos. A identificação dos
deuses gregos com divindades similares estrangeiras facilitou a fusão de
estilos e a criação de tendências híbridas perceptíveis desde o Oriente
Próximo até localidades remotas como o vale do
Indo, o
Afeganistão e o
Paquistão.
22
Na cultura romana seu impacto foi ainda mais completo, especialmente depois do saque de
Siracusa em
212 a.C.. Siracusa era um rico entreposto comercial grego na
Sicília,
e era adornada com numerosas obras de arte. Com a queda em mãos romanas
a cidade foi completamente saqueada, e o espólio foi levado a Roma,
onde substituiu a estatuária de tradição
etrusca.
Desde então Roma adotou definitivamente o estilo grego, e com o tempo
nenhuma propriedade rica deixou de mostrar alguma escultura de feição
helenística. Após a conquista da Grécia por Roma em
146 a.C. diversos artistas gregos se estabeleceram na
Itália, contribuindo para a disseminação de sua herança cultural entre a civilização conquistadora.
22 30
No
Egito a infiltração de influências gregas é perceptível desde pelo menos o século III a.C., com a instauração da
Dinastia Ptolemaica, de origem
macedônica,
mas ganhou força no fim do Helenismo, especialmente através da
crescente presença romana. O estilo hierático, impessoal e cerimonial da
arte egípcia foi-se suavizando até render-se em larga medida à escola
grega, de caráter mais naturalista e expressivo.
34
Mas assim como foi larga sua influência, foi rápido o declínio da
arte escultórica grega. A queda de Roma e a fragmentação de seu extenso
território em nações menores, que se desenvolveram então ao longo de
diferentes linhas regionais, logo se refletiu na arte, e o estilo
naturalista de perfeição anatômica alcançado pelas gerações de mestres
gregos, continuado pelos romanos, simplesmente desapareceu. A estatuária
adquiriu em geral feições rudes, rígidas e simplificantes, com um novo
sistema de proporções e lógica de representação, e o classicismo se
diluiu na arte primitiva da
Idade Média.
35
Em termos de técnica e artesania, o empobrecimento é óbvio,
aparentemente já ninguém mais herdara aquela sofisticada e exímia
habilidade escultórica. O retrato detalhista e imitativo da escultura
grega cedeu lugar para uma esquematização formal que em muitos momentos
se aproximou do caráter do
ícone.
36
Mesmo assim a tradição greco-romana conseguiu encontrar alguns canais
para sobrevivência. Certos temas pagãos foram adaptados para o universo
cristão, como o do
Pastor, transformado numa visão do
Cristo
resgatando a "ovelha perdida", modelos formais da estatuária de culto
foram reinterpretados para a representação de imagens de reis e
imperadores, motivos como as festas de Dionísio e a guerra de
Troia foram preservados em
iluminuras, e algumas peças de escultura também acabaram sendo incorporadas em edifícios medievais.
37
A ascensão do
Cristianismo
na Europa como religião dominante foi outro fator para seu declínio
rápido, ao condenar a ênfase pagã no corpo nu; em tal descrédito larga
porção das obras antigas originais se perdeu, em particular os bronzes,
derretidos para fabricar outros artefatos.
24 Em suma a
Idade Média
foi um período de completo afastamento dos cânones clássicos, embora a
habilidade e refinamento na talha na pedra, e novamente na madeira,
tenham voltado a se elevar magnificamente a partir do período
Românico.
35
No
século XIII sinais de um interesse renovando no classicismo aparecem na obra de escultores como
Nicola Pisano, e chegando à
Renascença,
com os textos clássicos voltando a circular no Ocidente, a cultura
greco-romana ressuscitou de longa obscuridade, e logo tornou-se
novamente o cânone para a arte. Mais do que isso, o desejo de emulação
da arte do período de apogeu da cultura grega chegou a níveis
passionais.
38
O corpo nu voltava a ser visto como expressão de beleza, pureza e
dignidade, mas ora dentro de uma ótica cristianizada, como a obra-prima
da
Criação e imagem da divindade.
O primeiro nu de vulto completo na escultura ocidental desde a
antigüidade clássica - descontando-se exemplos anteriores em relevos
como o belo
Adão de Pisano no púlpito de
Pisa (c. 1260) - apareceu com o
Davi de
Donatello, criado em torno de
1440,
e que causou sensação quando foi apresentado. Mesmo que a herança
medieval não tenha sido bruscamente suplantada, evoluindo naturalmente
do
gótico
anterior, e a atmosfera religiosa fosse já completamente diversa, é
evidente uma similaridade com protótipos antigos. Tem sido recentemente
levantada a hipótese de que a obra tenha um tema mitológico e não
bíblico.
39 Desde este precursor as estátuas inspiradas na grande tradição da antigüidade se multiplicam, e nas mãos de mestres como
Benvenuto Cellini, autor de um célebre
Perseu com a cabeça da Medusa, e
Michelangelo,
que coroa e encerra o período da Alta Renascença, adquirem uma força,
beleza, virtuosismo e complexidade que ombreiam seus antecessores
clássicos.
Outros estímulos em direção ao resgate da herança escultórica grega
foram o crescimento do interesse antiquarial por parte de ricos
colecionadores e a descoberta nesta época de algumas importantes obras
clássicas e helenísticas, como o
Apolo Belvedere, que tornou-se objeto de cobiça das cortes e foi copiado várias vezes, e sobretudo o
Laocoonte, cuja apresentação pública no
Vaticano em
1506
constituiu um acontecimento social em Roma. Logo o impactante achado
repercutiu internacionalmente, sendo objeto de estudo de intelectuais e
influenciando a produção posterior do próprio Michelangelo e de uma
legião de outros artistas.
40
Michelangelo foi devedor também de Lísipo, conforme ele mesmo declarou
ter-se inspirado em obras do grego para as suas próprias criações
41
Adentrando o
Maneirismo, em meados do
século XVI, e a seguir o
Barroco,
a o estilo se transforma e se afasta do cânone do período clássico,
onde o idealismo e o equilíbrio circunspecto são as tônicas. Entretanto,
a cultura antiga de modo geral permanecia uma referência forte e,
ganhando em dramaticidade e movimento, e passando a privilegiar aspectos
emocionais e humanos, incluindo temas de violência, a escultura
produziria resultados comparáveis à fase tardia do Helenismo. Nesta fase
muito da força criativa na escultura direcionou-se para representações
religiosas, e os artistas cristãos, absorvendo uma variedade de soluções
técnicas antigas, aproveitaram, revitalizando-o, um vasto repertório de
posturas, gestos e expressões que fora fundado pelos gregos,
enriqueceram-no com seu próprio gênio, e aplicaram estes recursos
formais para a ilustração da vida de
santos e
mártires, os mitos e heróis da época. Crê-se, por exemplo, que
Bernini, um dos mestres do barroco italiano, tenha-se inspirado no
Fauno Barberini, uma peça helenística que ele mesmo havia restaurado, para criar sua célebre representação do
Êxtase de Santa Teresa.
42 Não obstante, temas declaradamente mitológicos continuaram a receber atenção em obras de grande significância, como provam o
Mercúrio carregando Psiquê ao Olimpo, de
Adriaen de Vries, e o
Hércules e Nesso, de seu mestre
Giambologna.
O Rapto da Sabina, uma composição de enorme virtuosismo deste mesmo autor, constitui um dos ápices da estatuária de todos os tempos.
Com uma nova onda
idealista surgindo na Europa a partir do
século XVIII, com a contribuição de uma nova sensibilidade idílica e pastoral surgida a partir do
Rococó, e culminando com o
Neoclassicismo
propriamente dito, quando a cultura greco-romana entra em nova fase de
grande prestígio, recuperam-se as temáticas mitológica, bucólica ou
heróica, e a digna sobriedade do alto classicismo, que assim demonstrava
sua vitalidade dois mil anos após seu aparecimento na Grécia.
43 44 Desta fase são importantes
Augustin Pajou,
Louis Petitot,
Bertel Thorvaldsen,
John Flaxman,
Vasily Demut-Malinovsky e sobretudo a figura dominante de
Antonio Canova, cujo esplêndido
Perseu com a cabeça da Medusa é uma evidente releitura do clássico
Apolo Belvedere. Canova ainda teve como discípulos
John Gibson e
Richard Westmacott.
Com o advento do
Modernismo no início do
século XX
a tradição artística grega antiga perdeu novamente sua força como
estímulo para os criadores, apesar de continuar a ser apreciada como
grande testemunho artístico de eras passadas. Contudo, em tempos
recentes nova revalorização da cultura da Grécia como fonte de
inspiração tem sido observada a partir da tendência historicista
cultivada pelo
Pós-modernismo, e observa-se a penetração até a cultura popular de alguns dos ícones mais famosos da escultura grega.
-
-
Cópia de Donatello: Davi, c. 1440, Museu Victoria e Albert
-
Giambologna: O rapto da Sabina, 1574-1582, Loggia dei Lanzi, Florença
-
Canova: Perseu com a cabeça da Medusa, c. 1800, Museus Vaticanos
Referências
- A cronologia dos períodos varia conforme a fonte consultada
- Department of Greek and Roman Art. Geometric Art in Ancient Greece. In Heilbrunn Timeline of Art History. New York: The Metropolitan Museum of Art, 2000 [1]
- Ancient Greek Sculpture. Encyclopedia of Irish and World Art
- The Louvre. Thematic Trails: Greek Sculpture and the Human Body
- Greek Sculpture: Daedalic Style (c.650-600). Visual Art Guide
- Greek Sculpture: Daedalic Style (c.650-600). Encyclopedia of Irish and World Art. [2]
- HAUSER, Arnold. História Social da Literatura e da Arte. São Paulo: Mestre Jou, 1972-82. Vol. I, pp. 105 ss.
- Archaic Period. In The Art of the Greeks. History of Arts
- Greek Art in the Archaic Period. In Timeline of Art History. Department of Greek and Roman Art. New York: The Metropolitan Museum of Art, 2000 [3]
- Greek Sculpture: Early Classical Period. Encyclopedia of Irish and World Art [4]
- HAUSER, Arnold. Op.cit, pp. 115 ss.
- HAUSER, Arnold. Op. cit. pp. 121 ss
- High Classical Sculpture (c.450-400 BCE). Encyclopedia of Irish and World Art [5]
- HEMINGWAY, Colette & HEMINGWAY, Seán. The Art of Classical Greece (ca. 480–323 B.C.). In Heilbrunn Timeline of Art History. New York: The Metropolitan Museum of Art, 2000. [6]
- HAUSER, Arnold. Op. cit. pp. 144-145
- Greek Sculpture. Queens University of Charlotte
- Late Classical Era Sculpture (c.400-323 BCE). Encyclopedia of Irish and World Art. [7]
- HEMINGWAY, Colette & HEMINGWAY, Seán. The Art of Classical Greece (ca. 480–323 B.C.). In Timeline of Art History. New York: The Metropolitan Museum of Art, 2000 [8]
- Late Classical Era Sculpture (c.400-323 BCE). Encyclopedia of Irish and World Art [9]
- A delimitação deste
período é das mais controversas. Seu início em 323 a.C., data da morte
de Alexandre Magno, é em geral um consenso, mas seu final oscila entre a
conquista da Grécia pelos romanos em 146 a.C., até o início do reinado
de Augusto em 27 a.C., e mesmo depois, além do reinado de Adriano. Cf.
HEMINGWAY, Colette & HEMINGWAY, Seán. Art of the Hellenistic Age and the Hellenistic Tradition. In Heilbrunn Timeline of Art History. New York: The Metropolitan Museum of Art, 2000. [10]
- HAUSER, Arnold. Op.cit. pp. 148 ss
- HEMINGWAY, Colette & HEMINGWAY, Seán. Art of the Hellenistic Age and the Hellenistic Tradition. In Heilbrunn Timeline of Art History. New York: The Metropolitan Museum of Art, 2000. [11]
- Hellenistic Greek Sculpture (c.323-27 BCE). Encyclopedia of Irish and World Art. [12]
- HEMINGWAY, Colette & HEMINGWAY, Seán. The Technique of Bronze Statuary in Ancient Greece. In Heilbrunn Timeline of Art History. New York: The Metropolitan Museum of Art, 2000
- MURATOV, Maya B. Greek Terracotta Figurines with Articulated Limbs. In Heilbrunn Timeline of Art History. New York: The Metropolitan Museum of Art, 2000. [13]
- Department of Greek and Roman Art. Tanagra Figurines. In Heilbrunn Timeline of Art History. New York: The Metropolitan Museum of Art, 2000. [14]
- Ancient Greek Sculpture: Greek Sculptural Methods. Encyclopedia of Irish and World Art [15]
- SOWDER, Amy. Ancient Greek Bronze Vessels. In Heilbrunn Timeline of Art History. New York: The Metropolitan Museum of Art, 2000. [16]
- DRAPER, James David. Cameo Appearances. In Heilbrunn Timeline of Art History. New York: The Metropolitan Museum of Art, 2000–. http://www.metmuseum.org/toah/hd/came/hd_came.htm
- Department of Greek and Roman Art. Roman Copies of Greek Statues. In Heilbrunn Timeline of Art History. New York: The Metropolitan Museum of Art, 2000. [17]
- SMITH, Helena. British damage to Elgin marbles "irreparable". The Guardian, Friday 12 November 1999 [18]
- McQUAID, Cate. Sculpture show of a different color. Matéria sobre a exposição Bunte Götter. The Boston Globe. 06/01/2008.[19]
- HEMINGWAY, Colette & HEMINGWAY, Seán. Etruscan Art. In Heilbrunn Timeline of Art History. New York: The Metropolitan Museum of Art, 2000. [20]
- HARRIS, W.V. & RUFFINI, G. Ancient Alexandria between Egypt and Greece.
Columbia Studies in the Classical Tradition, vol. XXVI. Leiden: Brill,
2004 (Resenha de Marjorie Susan Venit, University of Maryland) [21]
- CHAPUIS, Julien. Romanesque Art. In Heilbrunn Timeline of Art History. New York: The Metropolitan Museum of Art, 2000. [22]
- The Christians in the Roman Empire. In The Early Christians and their Art. History of Art. [23]
- Department of Medieval Art and The Cloisters. Classical Antiquity in the Middle Ages. In Heilbrunn Timeline of Art History. New York: The Metropolitan Museum of Art, 2000. [24]
- Department of European Paintings. The Rediscovery of Classical Antiquity. In Heilbrunn Timeline of Art History. New York: The Metropolitan Museum of Art, 2000. [25]
- FOSSI, G. et alii. Italian Art, Florença: Giunti Gruppio Editoriale, 2000, p. 91
- 500th Anniversary of the Finding of the Laocoon on the Esquiline Hill in Rome. IDC Rome. [26]
- From Lysippos to Michelangelo. In The Art of the Greeks. History of Art [27]
- Baroque Ancient and Modern. In The Art of the Greeks. History of Art [28]
- Neoclassicism and Romanticism. History of Art
- GONTAR, Cybele. Neoclassicism. In Heilbrunn Timeline of Art History. New York: The Metropolitan Museum of Art, 2000. [29]
Ver também
Ligações externas