Anita Catarina Malfatti (
São Paulo,
2 de dezembro de
1889 — São Paulo,
6 de novembro de
1964) foi uma
pintora,
desenhista,
gravadora e
professora brasileira.
Filha do engenheiro italiano
Samuel Malfatti e de mãe norte-americana
Betty Krug, Anita Malfatti nasceu no ano de 1889, em São Paulo .
Segunda filha do casal, nasceu com atrofia no braço e na mão direita. Aos três anos de idade foi levada pelos pais a
Lucca, na
Itália,
na esperança de corrigir o defeito congênito. Os resultados do
tratamento médico não foram animadores e Anita teve que carregar essa
deficiência pelo resto da sua vida. Voltando ao Brasil, teve a sua
disposição Miss Browne, uma governanta inglesa, que a ajudou no
desenvolvimento do uso da mão esquerda e no aprendizado da arte e da
escrita.
Iniciou seus estudos em
1897 no
Colégio São José de freiras católicas, situado à rua da Glória. Aí foi alfabetizada. Posteriormente passa a estudar em escolas protestantes: na
Escola Americana e em seguida no
Mackenzie College onde, em
1906, recebe o diploma de normalista.
[editar] Surge a pintora
Nesse meio tempo faleceu Samuel Malfatti, esteio moral e financeiro
da família. Sem recursos para o sustento dos filhos, D. Betty passa a
dar aulas particulares de idiomas e também de desenho e pintura. Chegou a
submeter-se à orientação do pintor
Carlo de Servi
para com mais segurança ensinar suas discípulas. Anita acompanhava as
aulas e nelas tomava parte. Foi portanto sua própria mãe quem lhe
ensinou os rudimentos das artes plásticas.
"
Eu tinha 13 anos, e sofria porque não sabia que rumo tomar na
vida. Nada ainda me revelara o fundo da minha sensibilidade[...]Resolvi,
então, me submeter a uma estranha experiência: sofrer a sensação
absorvente da morte. Achava que uma forte emoção, que me aproximasse
violentamente do perigo, me daria a decifração definitiva da minha
personalidade. E veja o que fiz. Nossa casa ficava próxima da educada
estação da Barra Funda. Um dia saí de casa, amarrei fortemente as minhas
tranças de menina, deitei-me debaixo dos dormentes e esperei o trem
passar por cima de mim. Foi uma coisa horrível, indescritível. O barulho
ensurdecedor, a deslocação de ar, a temperatura asfixiante deram-me uma
impressão de delírio e de loucura. E eu via cores, cores e cores
riscando o espaço, cores que eu desejaria fixar para sempre na retina
assombrada. Foi a revelação: voltei decidida a me dedicar à pintura."Anita Malfatti.
[editar] Na Alemanha
Anita pretendia estudar em
Paris,
mas sem a ajuda do pai, parecia impossível, tendo em vista que sua avó
vivia entrevada numa cama e sua mãe passava o dia dando aulas de pintura
e de idiomas.
Anita tinha umas amigas, as irmãs Shalders, que iam viajar à
Europa para estudar
música. Assim surgiu a idéia de acompanha-las à
Alemanha e seu tio e padrinho, o engenheiro Jorge Krug, aceitou financiar a viagem.
Anita e as Shalders chegaram em
Berlim em
1910, ano marcante na história da
Arte Moderna alemã.
"
Os acontecimentos precipitavam-se tão depressa, que eu me lembro
de ter vivido como dentro de um sonho. Nada do que acontecia se
assemelhava com o que havia acontecido no Brasil."
"
Comprei incontinente uma porção de tintas, e a festa começou" Anita Malfatti.
Berlim era então o grande centro musical da Europa. O grupo
Die Brucke fazia diversas exposições expressionistas e foi na Alemanha que Anita travou contato com a vanguarda europeia.
Acompanhando suas amigas às aulas no centro musical, acabou recebendo a sugestão para estudar no ateliê do artista
Fritz Burger.
Fritz Burger era um retratista que dominava a técnica
impressionista.
Foi o primeiro mestre de Anita. Ao mesmo tempo, ela prestou os exames
para ingressar na Real Academia de Belas Artes onde ingressou no início
do ano letivo.
Durante as férias de verão, Anita e as amigas foram às montanhas de
Harz, em
Treseburg, região frequentada por pintores. Continuando sua viagem, visitou a 4°
Sonderbund, uma exposição que aconteceu em
Colônia na Alemanha, na qual conheceu trabalhos de pintores modernos, incluindo-se o até hoje tão admirado
Van Gogh.
Teve aulas também com
Lovis Corinth
nome bem mais conhecido do que seu primeiro mestre. Corinth, um tipo
bem germânico, não tinha a menor paciência com seus alunos. Mas com
Anita era diferente. Talvez porque se identificasse com ela. Alguns anos
antes sofrera um AVC que, como sequela, tal como a aluna, lhe deixara
alguma dificuldade motora.
Anita estava cada vez mais interessada pela pintura expressionista,
desejava aprender sua técnica. Em 1913, inicia aulas com o professor
Ernest Bischoff Culm da mesma escola de Corinth.
Com a instabilidade causada pela aproximação da guerra, Anita Malfatti resolve deixar Berlim, passando por Paris.
[editar] Primeira exposição individual - 1914
"
Voltando ao Brasil, só me perguntavam pela Mona Lisa, pela glória da Renascença, e eu… nada"
"
Minha família e meus amigos, eram de opinião de que eu deveria
continuar meus estudos de pintura. Achavam meus quadros muito crus, mas,
felizmente, muito fortes, o que prometia para o futuro uma pintura
suave, quando a técnica melhorasse" Anita Malfatti.
São Paulo, 1914, Anita tinha 24 anos e, com mais de quatro anos de
estudo na Europa, finalmente voltava para o seio familiar. A cidade
crescia, mas o ambiente artístico ainda era incipiente, o gosto
predominante ainda era pela arte acadêmica. Ao mostrar suas obras - nada
acadêmicas - Anita tentava explicar os avanços da arte na Europa, onde
os jovens haviam levado às últimas consequências as conquistas vindas do
impressionismo.
Anita ainda continuava firme no desejo de partir mais uma vez em
viagem de estudos. Sem condições financeiras, tentou pleitear uma bolsa
junto ao
Pensionato Artístico do Estado de São Paulo. Por essa razão, montou no dia
23 de maio de
1914, uma exposição com obras de sua autoria, exposição essa que ficou aberta até meados de junho.
O senador
José de Freitas Valle
foi visitar essa exposição. Dependia dele a concessão da bolsa. Mas o
influente político não gostou das obras de Anita, chegando a criticá-las
publicamente. Entretanto, independentemente da opinião do senador, a
bolsa não seria concedida. Notícias do iminente início da guerra na
Europa, fizeram com que o Pensionato as cancelasse. Foi aí que, mais uma
vez, financiada pelo tio, o engenheiro e arquiteto Jorge Krug, Anita
embarca para os
Estados Unidos.
[editar] Nos Estados Unidos
"Aí começa o período maravilhoso de minha vida. Entrei na Independent School of Art de Homer Boss,
quase mais filósofo que professor.{…}O maior progresso que fiz na minha
vida foi nesta ilha e nesta época de ambientes muito especiais. Eu
vivia encantada com a vida e com a pintura."
" Era a poesia plástica da vida, era festa da forma e era a festa da cor" Anita Malfatti.
No início de 1915, Anita Malfatti já se encontrava em Nova York e matriculada na tradicional
Art Student's League.
Nessa escola, Anita ia de um professor a outro na tentativa de
encontrar o caminho que sonhava para seus trabalhos. Após três meses de
estudos, desistiu de qualquer curso de pintura ou desenho nessa
instituição por demais conservadora, reservando-a apenas para os estudos
de gravura. Trazendo em sua pintura a marcas do
expressionismo,
dificilmente Anita conseguiria adaptar-se a uma academia de ensino
tradicional. Sobre sua experiência na instituição, escreveria de forma
lacônica, mas muito claramente: "
Fui aos Estados Unidos, entrei numa
academia para continuar meus estudos, e que desilusão! O professor foi
ficando com raiva de mim, e eu dele, até que um dia, a luz brilhou de
novo. Uma colega me contou na surdina que havia um professor moderno, um
grande filósofo, incompreendido e que deixava os alunos pintar à
vontade. Na mesma tarde procuramos e professor, claro". O tal professor da
Independet School of Art, era
Homer Boss, artista hoje quase esquecido pelos estudiosos da arte norte-americana.
Nas férias de verão, Homer Boss levou os alunos para pintar na costa do
Maine, na ilha de
Monhegan. Esse Estado litorâneo mais ao nordeste, fronteira com o
Canadá,
tornara-se há muito o refúgio dos artistas. Foi nessa pitoresca ilha
que a ainda não famosa aluna de Boss pintou, entre outras, a belíssima
paisagem intitulada
O farol, uma de suas obras primas. Passado o
verão, Anita voltou à Independent School of Art. Em meados de 1916,
preparava-se para voltar ao Brasil.
[editar] De volta ao Brasil
Em 1916, Anita se encontrava de novo em casa, no aconchego familiar… "
Eram
caixões de obras de arte, desenhos, gravuras e quadros de todos os
tamanhos. Minha família e meus amigos estavam curiosos para ver meus
trabalhos. Mas que efeito!"Anita Malfatti.
Nada daquilo que Anita trazia dos Estados Unidos, se assemelhava à "
pintura suave", nada daquilo esperado e imaginado por seus amigos e
parentes. Sua força masculina, que causara estranheza na sua primeira
individual em 1914, atingira o ponto máximo de exagero. Anita
inconscientemente, "rompera" com as regras da pintura acadêmica tão
apreciada por seus parentes. A surpresa e a incompreensão foram
inevitáveis. As obras que a pintora trouxe dos Estados Unidos, deixaram
em sua família uma sensação tão grotesca, que o mal estar durou por
anos. É fato que o assunto tornou-se "tabu" entre os membros da família e
Anita diria depois laconicamente:"
Quando viram minhas telas, todos
acharam-nas feias, dantescas, e todos ficaram tristes, não eram os
santinhos dos colégios. Guardei as telas."
Depois, seria mais específica, dizendo:"
Ficaram desapontados e
tristes. Meu tio, Dr. Jorge Krug, que tanto interesse teve na minha
educação, ficou muito aborrecido. Disse ele:'Isto não é pintura, são
coisas dantescas'" A expressão " coisas dantescas", ficaria para
sempre gravada na mente e no coração de Anita. A incompreensão foi
geral. Anita logo se deu conta do quanto suas telas, que traduziam sua
alma, estavam distantes das do ambiente acadêmico que a rodeava. No
mesmo depoimento de 1951, a pintora lembraria:"
Então, pela primeira
vez em minha vida, comecei a entristecer-me pois estava certa de que meu
trabalho era bom; tanto os modernos franceses como os americanos haviam
dito espontaneamente, desinteressadamente. Só desejei esconder meus
quadros, já que, para me consolar, ou outros acharam que eu podia pintar
como quisesse. Eles estavam desconsolados, porque me queriam bem.
Entretanto eu sabia que aquela crítica não tinha fundamento,
especialmente porque estava dentro de um regime completamente emocional.
Eu nunca havia imitado a ninguém; só esperava com alegria que surgisse,
dentro da forma e da cor aparente a mudança; eu pintava num diapasão
diferente e era essa música da cor que me confortava e enriquecia minha
vida." Anita Malfatti.
[editar] Segunda exposição individual - 1917
Em 1917 Anita resolveu promover sua segunda exposição individual.
"
A exposição da senhorita Malfatti, toda ela de pintura moderna,
apresenta um aspecto original e bizarro, desde a disposição dos quadros
aos motivos tratados em cada um deles. De uma rápida visita ao catálogo,
o visitante há de inteirar-se logo do artista que vai observar. Tropical
e Sinfonia colorida
,
são nomes que qualquer pintor daria até a uma paisagem, menos a uma
figura, como tão bem fez a visão impressionista de sua autora.
Essencialmente moderna, a arte da senhorita Malfatti, se distancia
consideravelmente dos métodos clássicos. A figura ressalta, do fundo do
quadro, como se nos apresentasse, em cada traço, quase violento, uma
aresta do caráter do retratado. A paisagem é larga, iluminada, quase
sempre tocada de uma luz crua, meridiana, que põe em relevo as paredes
alvas, num embaralhamento de vilas sertanejas, onde a minudência se
afasta para a mais forte impressão do conjunto."
Os acontecimentos a partir da primeira semana se deram de forma tão
rápida e surpreendente, que Anita só se atreveria a narra-los 34 anos
depois:"
A princípio foram os meus quadros muito bem aceitos, e vendi,
nos primeiros dias, oito quadros. Em geral depois da primeira surpresa,
acharam minha pintura perfeitamente normal. Qual não foi a minha
surpresa quando apareceu o artigo crítico de Monteiro Lobato."Anita Malfatti.
"Há duas espécies de artistas. Uma composta dos que veem
normalmente as coisas e em consequência disso fazem arte pura… Se Anita
retrata uma senhora com cabelos geometricamente verdes e amarelos, ela
se deixou influenciar pela extravagância de Picasso e companhia - a tal chamada arte moderna..". Monteiro Lobato.
Após a crítica de Lobato, publicada em
O Estado de S.Paulo, edição da tarde, em 20 de dezembro de
1917, com o título de
A propósito da exposição Malfatti,
as telas vendidas foram devolvidas, algumas quase foram destruídas a
bengaladas; o artigo gerou uma verdadeira catilinária em artigos de
jornais, contra Anita. A primeira voz que se levantou em defesa da
pintora, ainda que timidamente, foi a de
Oswald de Andrade.
Num artigo de jornal, ele elogiou o talento de Anita e parabenizou pelo
simples fato dela não ter feito cópias. Pouco depois, jovens artistas e
escritores, começando a entender aquele jeito de pintar e possuídos
pelo desejo de mudança que as obras de Anita suscitaram, uniram-se a
ela, como:
Mário e Oswald de Andrade,
Menotti Del Picchia,
Guilherme de Almeida.
Anita inicia estudos com o pintor acadêmico
Pedro Alexandrino no ano de 1919, e também com o alemão
George Fischer Elpons um pouco mais avançado do que o velho mestre das naturezas mortas. Foi nessa ocasião que conheceu
Tarsila do Amaral
que tinha aulas com os mesmos professores. Depois do pai, o tio Jorge
Krug, que a havia ajudado tanto, também faleceu e Anita precisou buscar
caminhos para vender suas obras. Pedro Alexandrino já era um pintor de
renome e vendia com muita facilidade seus trabalhos. Anita busca essa
aproximação sendo sua aluna, embora muitas interpretações apontem para a
versão de que ela o procurou para reestruturar sua pintura. Seus
biógrafos acreditam que o artigo de Monteiro Lobato foi agressivo e até
maldoso e que deixou marcas profundas na vida e na obra da artista. Mas,
essa versão é contestada por alguns poucos, pois ao ler na íntegra a
crítica de Monteiro Lobato, verificamos que o título original nunca foi
"Paranoia ou Místificação" e sim, "A propósito da exposição Malfatti", e
em muitos trechos Anita é elogiada pelo crítico. Mas o certo é que
Anita ficou arrasada com a crítica de Monteiro Lobato. Ficou magoada
pelo resto da vida, mas não o suficiente para destruir sua força de
mulher destemida e ousada. Apesar da mágoa, Anita ilustrou livros de
Monteiro Lobato e na década de 40 participou de um programa na
Rádio Cultura
chamado "Desafiando os Catedráticos", juntamente com Menotti Del
Picchia e Monteiro Lobato. Os ouvintes telefonavam fazendo perguntas
para que o trio respondesse.
[editar] A Semana de Arte Moderna de 1922
Após a enorme confusão causada por Monteiro Lobato, a vida de Anita
Malfatti começou a ter certa normalidade. O tempo que se seguiu após a
exposição, foi de assimilação do novo, da percepção daquilo que até
então não fora nem sonhado.
"Parece absurdo, mas aqueles quadros foram a revelação. E ilhados
na enchente que tomara conta da cidade, nós, três ou quatro, delirávamos
de êxtase diante de obras que se chamavam O homem amarelo
, A mulher de cabelos verdes
."
"Assisti bem de perto essa luta sagrada e palavra que considero a
vida artística de Anita Malfatti um desses dramas pesados que o
isolamento dos indivíduos apaga para sempre feito segredo mortal.O povo
passa, povo olha o quadro e tudo neste mostra vontade e calma bem
definidas.O povo segue seu caminho depois de ter aplaudido a obra boa
sem saber que poder de miserinhas cotidianas maiores que o Pão de Açúcar
aquela artista bebeu diariamente com o café da manhã" Mário de Andrade.
Após o período de recesso, a
Semana de Arte Moderna, mais uma vez, movimentou a vida artística insípida de São Paulo. Anita participou dela com 22 trabalhos.
"Recordo-me que no dia da inauguração, o velho conselheiro Antônio Prado, com grande espanto da comitiva, quis comprar meu quadro O homem amarelo
, porém, Mário de Andrade acabava de adquiri-lo. A plantinha havia vingado"
" Foi a noitada das surpresas. O povo estava muito inquieto, mas
não houve vaias. O teatro completamente cheio. Os ânimos estavam
fermentando; o ambiente eletrizante, pois que não sabiam como nos
enfrentar. Era o prenúncio da tempestade que arrebentaria na segunda
noitada"
Anita estava feliz entre o círculo modernista, uma vez que ele vinha
ao encontro de suas aspirações artísticas, entraria também para o
comentado
grupo dos cinco.
[editar] A Europa nos loucos anos 20
" Mário de Andrade lia uma conferência. Ao terminar a leitura, o
Dr. Freitas Valle num grande gesto levantou-se de seu trono e
encaminhou-se para mim, o que me assustou de tal maneira que perdi o
controle…Ele realmente chegou-se para junto de mim e disse mesmo de
verdade que eu poderia embarcar para a Europa em viagem de estudos…-
qualquer coisa me aconteceu, não sei se voei pelo telhado ou se afundei
no chão…então surgiu uma dama, eu não a conhecia, que me reconfortou e
rindo-se muito da minha confusão, afirmava ser aquilo verdade… Era Dona
Olívia…" Dessa forma, Anita embarcava mais uma vez, em viagem de estudos para a Europa, ou melhor dizendo, para
Paris.
Seriam cinco anos de estudos pela bolsa do Pensionato. Este seria o
último e o mais longo período de Anita fora do Brasil. Em agosto de
1923, embarcando pelo vapor
Mosella rumo à França, aquela jovem
baixa, com o lenço displicentemente esquecido sobre a mão direita, tinha
então 33 anos. Mário de Andrade que não conseguiu chegar a tempo da
partida de Anita, enviara-lhe o seguinte telegrama:
" Querida amiga choro de raiva automóvel maldito escrevo hoje
contando minha saudade e desespero perdoa mil beijos nas tuas mãos
divinas boa viagem felicidades. Mário. São Paulo-21-8-1923.".A guerra que perdurara por anos, pôs um ponto final aos hábitos e costumes da
belle époque.
Foi fatal também para o academismo. Agora seus antigos espaços eram
ocupados pela arte moderna, que com grande vitória e sucesso se
espalhara por todos os cantos e continuava em expansão acelerada nos
salões, galerias e coleções. Há muito tempo,
Paris
atraia os artistas brasileiros - que eram e continuavam acadêmicos -
mas agora, nesse 1923, o modernismo brasileiro estava em Paris,
atualizando-se.
E Anita estava lá, na tentativa incansável de encontrar-se. Apesar
das muitas dúvidas que ainda tinha em relação a que caminho seguir na
sua arte, Anita não deixou de trabalhar, de produzir. Logo no início do
estágio francês, Anita parece ter se " aconselhado" com o pintor
Maurice Denis,
possivelmente atraída pelos aspectos da pintura religiosa. Nesse último
estágio, uma das características mais fortes de Anita, era a busca por
uma postura menos polêmica, em comparação com a época norte-americana. A
impressão que se tem, é de que ela procurava por uma espécie de
classicismo moderno. Na
Escola de Paris,
no pós-guerra, muitos pintores das mais diversas origens, passavam pela
experiência da releitura da arte de séculos passados, como Picasso, por
exemplo. Nessa fase, que pode-se dizer, "um aprender de novo", Anita
testou várias possibilidades, e frequentemente produzia obras
interessantes. Estudou muito, aprendeu muito, mas perdeu um pouco, um
pouco da sua audácia, com aquela urgência constante de " se contar " à
tela, agora se continha, obedecendo as ordens formais da pintura. Nesses
cinco anos, a crítica francesa notaria o trabalho da pioneira, algumas
telas como
Interior de Mônaco", A dama de azul
, Interior de igreja
e A mulher do Pará
,
seriam as obras mais destacadas pela crítica internacional nesses anos
de estudo e apresentação. A crítica francesa seria unânime também nos
elogios feitos aos desenhos : "Seja: mas os desenhos? Sua
personalidade única torna impossível toda tentativa de apadrinhamento,
mesmo suntuoso.[...]Quanto aos desenhos de nus, de uma fatura tão
pessoal, tão nítida, poucos artistas de escola moderna podem
apresentá-los tão notáveis. A crítica foi unânime a este respeito
".
As telas interiores-exteriores, ocupados por uma figura feminina, e
as exteriores-interiores, também com figuras femininas, seriam a
produção mais válida e permanente da Anita do estágio francês, com suas "
mulheres" solitárias, reclinadas ao balcão. Assim, Anita Malfatti
entremostrava sua solidão.
[editar] Brasil 1928
No final de setembro de
1928, Anita já se encontrava no Brasil.
"
A ilustre artista mudou muito a arte dela[...]Também[...] vem
encontrar os companheiros antigos bastante modificados e reforçados.
Terá agora mais facilidade em ser compreendida e estimada no seu valor." Mário de Andrade.
O ambiente artístico, encontrado por Anita na volta, era bem
diferente do que deixara em 1923; o grupo inicial evoluíra muito,
surgiam novos adeptos e novos movimentos. O número de artistas plásticos
também crescera. Na chegada, Mário de Andrade - que não nos esqueçamos
era o maior e melhor amigo de Anita - noticiou imediatamente sua
chegada, relembrando quem era ela:
"
O nome de Anita Malfatti já está definitivamente ligado à
história das artes brasileiras pelo papel que a pintora representou no
início do movimento renovador contemporâneo. Dotada duma inteligência
cultivada e duma sensibilidade vasta, ela foi a primeira entre nós a
sentir a precisão de buscar os caminhos mais contemporâneos de expressão
artística, de que vivíamos totalmente divorciados, banzando num
tradicionalismo acadêmico que já não correspondia mais a nenhuma
realidade brasileira nem internacional".
Em 1929 abria em São Paulo, sua quarta individual. Depois de fechar
sua exposição, até 1932, Anita dedicou-se ao ensino escolar. Retomou
suas aulas na Escola Normal Americana e foi trabalhar também na Escola
Normal do Mackenzie College.
Podemos dividir as fases artísticas de Anita Malfatti em três: 1- a
primeira seria quando define sua forma expressionista de pintar; 2- a
segunda seria a das dúvidas de que caminho seguir na arte; 3- dos 20,30 e
início dos anos 40, quando depois da morte de Mário de Andrade e de sua
mãe, Dona Betty, seria transformada numa terceira Anita Malfatti, e
recolhida na sua chácara em Diadema. Iria finalmente, em paz consigo
mesma " pintar à vontade", " à seu modo". A individual de 1945, prova
essa unidade na pintura de Anita. A artista estava decidida em seu
caminho de paz, na sua reclusão.
"
É verdade que eu já não pinto o que pintava há 30 anos.Hoje faço
pura e simplesmente arte popular brasileira. É preciso não
confundir:arte popular com folclore…[...]eu pinto aspectos da vida
brasileira, aspectos da vida do povo. Procuro retratar os seus
costumes,os seus usos,o seu ambiente. Procuro transportá-los vivos para
as minhas telas. Interpretar a alma popular[...]eu não pinto nem
folclore, nem faço primitivismo. Faço arte popular brasileira"
Anita morreu, mas deixou vivo suas ideais, que quando realmente importantes, conseguem forças para mudar o rumo da historia.
[editar] Representações da artista em outras mídias
- Na minissérie Um Só Coração (2004), de Maria Adelaide Amaral - Rede Globo, Anita Malfatti, foi representada pela atriz Betty Gofman.
- Anita Malfatti - documentário - Premio Estímulo de
Curta-metragem da Secretaria de Cultura do Estado de São Paulo em 2001 -
de Luzia Portinari Greggio.
- Ilustrou o livro Cafundó da Infância, de Carlos Lébeis em 1936
[editar] Bibliografia
- ALMEIDA, Paulo Mendes de. De Anita ao museu. São Paulo: Perspectiva/Diâmetro Empreendimentos, 1976.
- AMARAL, Aracy (Org.). Artes plásticas na Semana de 22. São Paulo: Perspectiva, 1970.
- ANDRADE, Mário de. Cartas a Anita Malfatti- Organização Marta Rossetti Batista. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1989.
- BATISTA, Marta Rossetti - Anita no tempo e no espaço: biografia e estudo da obra. São Paulo: Ed.34/EDUSP, 2006.
- CHIARELLI, Tadeu. Um jeca nos vernissages: Monteiro Lobato e o desejo de uma arte nacional no Brasil. São Paulo: EDUSP, 1995.
- GREGGIO, Luzia Portinari. Anita Malfatti – Tomei a liberdade de pintar a meu modo. São Paulo: Magma Cultural Ed. , 2007, 150 ilustrações.
- GREGGIO, Luzia Portinari (curadora) - Catalogo da Exposição: "Anita
Malfatti - 120 anos de nascimento - CCBB de Brasilia, 2010. 160 pg. 120
ilustrações.
- LOBATO, Monteiro. Paranoia ou mistificação?. In: Ideias de Jeca Tatu, São Paulo:Monteiro Lobato & Cia., 3ª edição,1922.
- BÉNÉZIT, E. Dictionnaire, etc.. Paris: Gründ, 1999.
- LEITE, José Roberto Teixeira. Dicionário crítico da pintura no Brasil. Rio de Janeiro: Artlivre, 1989.
- CAMARGO, Ani Perri. Anita Malfatti: a festa da cor. São Paulo: Editora Terceiro Nome, 2009.
- MALFATTI, Doris. Minha tia Anita Malfatti. São Paulo: Editora Terceiro Nome, 2009.
- PONTUAL, Roberto - "Entre 2 seculos - arte brasileira na Coleção Gilberto Chateaubriand", Rio de Janeiro, Ed. JB, 1987
- CAMARGOS, Márcia. Semana de 22 entre vaias e aplausos. São Paulo: Boitempo Editorial, 2003 (1ª reimpressão).
[editar] Ver também
Referências