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Michelangelo di Lodovico Buonarroti Simoni (
Caprese,
6 de Março de
1475 —
Roma,
18 de Fevereiro de
1564), mais conhecido simplesmente como
Miguel Ângelo (português europeu) ou Michelangelo (português brasileiro), foi um
pintor,
escultor,
poeta e
arquiteto italiano, considerado um dos maiores criadores da
história da arte do ocidente.
Ele desenvolveu o seu trabalho artístico por mais de setenta anos entre
Florença e Roma, onde viveram seus grandes
mecenas, a
família Medici de Florença, e vários
papas romanos. Iniciou-se como aprendiz dos irmãos
Davide e
Domenico Ghirlandaio
em Florença. Tendo seu talento logo reconhecido, tornou-se um protegido
dos Medici, para quem realizou várias obras. Depois fixou-se em Roma,
onde deixou a maior parte de suas obras mais representativas. Sua
carreira se desenvolveu na transição do
Renascimento para o
Maneirismo, e seu estilo sintetizou influências da arte da
Antiguidade clássica, do primeiro Renascimento, dos ideais do
Humanismo e do
Neoplatonismo,
centrado na representação da figura humana e em especial no nu
masculino, que retratou com enorme pujança. Várias de suas criações
estão entre as mais célebres da arte do ocidente, destacando-se na
escultura o
Baco, a
Pietà, o
David, as duas tumbas Medici e o
Moisés; na pintura o vasto ciclo do teto da
Capela Sistina e o
Juízo Final no mesmo local, e dois
afrescos na
Capela Paulina; serviu como arquiteto da
Basílica de São Pedro implementando grandes reformas em sua estrutura e desenhando a
cúpula, remodelou a praça do
Capitólio romano e projetou diversos edifícios, e escreveu grande número de
poesias.
Ainda em vida foi considerado o maior artista de seu tempo; chamavam-no de
o Divino,
e ao longo dos séculos, até os dias de hoje, vem sendo tido na mais
alta conta, parte do reduzido grupo dos artistas de fama universal, de
fato como um dos maiores que já viveram e como o protótipo do gênio.
Michelangelo foi um dos primeiros artistas ocidentais a ter sua
biografia publicada ainda em vida. Sua fama era tamanha que, como nenhum
artista anterior ou contemporâneo seu, sobrevivem registros numerosos
sobre sua carreira e personalidade, e objetos que ele usara ou simples
esboços para suas obras eram guardados como relíquias por uma legião de
admiradores. Para a posteridade Michelangelo permanece como um dos
poucos artistas que foram capazes de expressar a experiência do
belo, do
trágico e do
sublime numa dimensão cósmica e universal.
Biografia
Primeiros anos
Michelangelo foi o segundo filho de Lodovico di Lionardo Buonarroti
Simoni e Francesca di Neri Buonarroti. Em sua certidão de batismo seu
nome consta de duas formas,
Michelagnelo e
Michelagnolo Buonaroti; aparece na biografia de
Vasari como
Michelagnolo Bonarroti e na de
Condivi como
Michelagnolo Buonarroti;
1 2 quando jovem assinava como
Michelagniolo.
3
Essas primeiras biografias foram escritas quando ele ainda vivia e sua
fama estava no auge, e seus admiradores não contentes em estabelecer uma
alta estirpe para sua família — cuja
genealogia
aparece hoje como duvidosa —, trataram de engrandecer eventos
relacionados ao seu nascimento e infância, supostamente proféticos de
sua futura glória. Por exemplo, dizia-se que sua mãe caíra de um cavalo
enquanto o carregava nos braços mas teriam saído ilesos do acidente;
ainda bebê, dormindo no mesmo berço de um irmão, este contraiu grave
doença contagiosa, da qual faleceu, mas Michelangelo milagrosamente não
foi contaminado. Também diziam que seu
mapa astral preconizava um futuro brilhante, por causa de uma conjunção de
Vênus,
Marte e
Júpiter no
Ascendente.
4
Condivi disse que sua família era antiga e pertencia à nobreza, o que
era aceito como um fato na época em que viveu. Seria descendente dos
condes de
Canossa, da região de
Reggio Emilia, tendo entre seus ancestrais a célebre
Matilde de Canossa, e ligados pelo sangue a imperadores. Um membro da família, Simone da Canossa, teria se radicado em
Florença em
1250
e sido feito cidadão da República, encarregado da administração de uma
das seis divisões florentinas. Ali mais tarde mudara seu sobrenome de
Canossa para Buonarroti, em função do prestígio que vários indivíduos da
família chamados Buonarroto adquiriram como magistrados, passando este
ramo da Casa de Canossa a ser conhecido como Casa de' Buonarroti Simoni.
5 6
Fac-símile da certidão de batismo de Michelangelo. O original se encontra na
Casa Buonarroti, em Florença.
Lodovico na época do nascimento de Michelangelo era administrador das vilas de
Caprese e
Castello di Chiusi,
subordinadas a Florença. Um mês depois, contudo, expirando o seu
mandato, a família se transferiu definitivamente para Florença, mas o
bebê, como era um hábito, foi entregue a uma ama para ser criado em
Settignano,
outra vila florentina, numa propriedade familiar. Com três anos voltou a
viver na casa paterna, e com seis perdeu a mãe. Teve como irmãos
Lionardo, o primogênito, e mais Buonarroto, Giovansimone e Gismondo.
6
O pai, mesmo possuindo algum prestígio, não era rico. Sua família era
numerosa e suas rendas, baseadas principalmente na propriedade rural em
Settignano, eram insuficientes para manter um elevado padrão de vida. O
salário que recebia da República era baixo, 500 liras a cada seis meses,
e ficava obrigado a pagar com ele mais dois
notários, três servos e um cavalariço. A antiga fortuna da família, adquirida no
comércio e no
câmbio,
começara a se dissipar com seu próprio pai, que teve de prover dotes
para suas filhas, pagar dívidas vultosas e não obteve cargos lucrativos,
e a situação piorou na geração seguinte, a ponto de estarem perto de
perder seu
patriciado e decair para a
plebe.
7
Reconhecendo que Michelangelo era especialmente dotado, assim que
atingiu a idade adequada Lodovico o enviou para ser educado por
Francesco da Urbino, esperando que seguisse uma carreira prestigiada. Para a sua frustração, o filho fez pouco progresso na
gramática, no
latim e na
matemática, e roubava tempo dos estudos para procurar a companhia de artistas e desenhar. Tornou-se amigo de
Francesco Granacci, discípulo de
Domenico Ghirlandaio,
que o incentivou nas artes e o levava para frequentar o atelier de seu
mestre, com o resultado de ele abandonar o interesse pela instrução
regular, e por isso receber repetidas punições de seu pai e irmãos, para
quem a carreira artística era indigna da nobreza de sua linhagem. Mesmo
assim, conseguiu finalmente vencer a oposição paterna e ser admitido
como discípulo de
pintura dos irmãos
Davide e
Domenico Ghirlandaio, através de um contrato com duração estipulada de três anos, assinado em
1 de abril de
1489,
ganhando um salário de 24 florins de ouro, o que não era uma prática
costumeira naquele tempo. Disse Condivi que a primeira obra acabada de
Michelangelo foi a pintura
Santo Antônio atormentado por demônios a partir de uma
gravura de
Martin Schongauer,
tão bem feita que teria suscitado a inveja de Domenico. As relações
entre ambos já deviam estar tensas, pois Michelangelo tinha o hábito de
jactar-se como superior a Domenico e certa vez ousara corrigir os seus
desenhos, humilhando-o, o que não foi pouca coisa, dado que era um dos
pintores mais importantes de Florença então, e a insolência deve ter
repercutido fundo no espírito do mestre. Outra peça que produziu na
época, uma cópia de uma cabeça antiga, teria resultado tão bem que o
proprietário do original, recebendo em vez a cópia, não conseguiu
perceber a troca. Somente pela indiscrição de um companheiro de
Michelangelo a artimanha foi descoberta, e comparando-se ambos os
trabalhos, o talento de Michelangelo se tornou reconhecido.
4 6 8
Mas é provável que esses relatos tenham sido muito magnificados —
Vasari em sua segunda versão de sua biografia disse que a obra de
Condivi tinha muitas inverdades —,
9
pois considerando o reduzido tempo que permaneceu ali, e sabendo-se
hoje dos rigorosos hábitos disciplinares do aprendizado artístico da
época, que iniciava com as tarefas mais humildes, ele dificilmente teria
tido condições de desenvolver uma técnica capaz de produzir obras de
qualidade tão alta como é declarado. Ainda seria apenas um serviçal,
como todos os principiantes, mantendo os materiais e ferramentas dos
mestres e dos discípulos mais graduados em ordem e em condições de uso,
limpando o espaço, e ficando à disposição dos mestres para atender
quaisquer outras demandas para o bom funcionamento da oficina. No pouco
tempo que lhes restava era-lhes permitido exercitar o
desenho
através da cópia de modelos consagrados, mas isso nessa primeira fase
era raro, pois além do trabalho servil ser exaustivo o papel era
caríssimo e não podia ser gasto à toa com alunos ainda despreparados.
Somente quando o aluno dominava essa parte instrumental e já conhecia em
profundidade as propriedades dos materiais da arte era-lhes dado acesso
ao conhecimento dos rudimentos mais básicos da criação, servindo então
como assistentes diretos dos mestres, mas ainda apenas esticando as
telas e preparando os painéis em madeira, dando-lhes as camadas de base,
pintando alguns detalhes menos importantes da composição e se
aprofundando no estudo do desenho. Entretanto, parece certo que
Michelangelo quando ingressou na oficina Ghirlandaio já havia praticado
muito desenho, e assim, é difícil determinar com exatidão até onde vai a
verdade das biografias primitivas, até porque elas constantemente
tendem a exaltar o seu sujeito, mesmo que seja reconhecido que seu
talento foi precoce e seu desenvolvimento, muito rápido.
10
Michelangelo:
Centauromaquia, c.1492. Casa Buonarroti, Florença.
Juventude
Michelangelo não terminou seu aprendizado com os Ghirlandaio. Um ano depois deixou o atelier e entrou na proteção de
Lorenzo de' Medici.
Os autores divergem sobre as circunstâncias desse evento. Talvez por
seu temperamento rebelde ele tenha se tornado uma presença irritante
para os seus mestres, também ele aparentemente não apreciava tanto a
pintura como a escultura; Barbara Somervill disse que seu pai, confiando
na força de um parentesco distante com os Medici e na disposição de
Lorenzo em ajudar seus familiares pobres, apelou para que ele o
aceitasse como aprendiz;
11 Vasari e Condivi alegam que foi por solicitação direta de Lorenzo a Lodovico.
12 13 Seja como for, com quinze anos de fato ele passou a viver no
palácio dos Medici. Lorenzo era o chefe de sua ilustre família, então a mais rica da Itália, governava
de facto Florença embora não tivesse cargo oficial, e reunira em torno de si uma brilhante corte de
humanistas
e artistas, sendo ele próprio um poeta e intelectual. Foi uma
circunstância afortunada para Michelangelo, pois pôde desfrutar da
amizade pessoal com o
mecenas,
comendo em sua mesa e recebendo o atraente salário de cinco ducados por
semana, e da atmosfera erudita do seu círculo, do qual participavam
Angelo Poliziano,
Pico della Mirandola e
Marsilio Ficino, reforçando sua educação precária e entrando em contato com o
Neoplatonismo.
Fez amigos também entre os filhos da casa, que mais tarde se tornaram
seus patronos, e mais importante para sua carreira foi poder frequentar o
célebre Jardim de Esculturas que Lorenzo organizara com uma importante
coleção de fragmentos da Antiguidade clássica, de cujo estudo retirou
substancial informação para desenvolver seu estilo pessoal na escultura.
14 15
Para administrar esse jardim, Lorenzo contratara o escultor
Bertoldo di Giovanni, que havia sido aluno de
Donatello,
e com ele Michelangelo teve algo que se aproximou de um professor de
escultura, embora aparentemente não tenha seguido seus métodos. Sua
primeira obra para Lorenzo parece ter sido uma cabeça de
fauno,
que não sobreviveu, mas segundo consta foi tão bem realizada que com
ela Lorenzo definitivamente se rendeu ao talento do jovem.
15 Outras obras dessa fase foram um
crucifixo para o
prior do Hospital do Santo Espírito, que lhe permitia
dissecar cadáveres para estudar sua
anatomia, um
baixo-relevo hoje conhecido como a
Madonna da Escada, à maneira de Donatello, e o
alto-relevo da
Centauromaquia, criado sob o conselho de Poliziano e possivelmente inspirado em um motivo encontrado em um
sarcófago romano, que despertou a admiração até das gerações seguintes como uma obra já madura, ainda que tenha sido deixado inconcluso.
16
Pouco depois, em
8 de abril de
1492, Lorenzo faleceu, deixando o governo para seu filho
Piero de' Medici,
de apenas vinte e um anos de idade. Segundo Condivi, para Michelangelo a
morte de seu patrono foi um grande choque, tendo permanecido dias em
funda tristeza, incapaz de qualquer ação. Retirou-se para a casa de seu
pai, onde esculpiu um
Hércules de grandes dimensões, que foi vendido para
Francisco I da França,
mas do qual não se conhece o paradeiro. Sucedeu então que caísse uma
grande nevasca sobre Florença, e então Piero lembrou-se do amigo.
Intimou que ele acorresse ao seu palácio para fazer um boneco de neve, e
renovou o convite para que o artista vivesse no palácio Medici a fim de
que as coisas continuassem da maneira que eram antes da morte de
Lorenzo. O convite foi aceito e Michelangelo novamente se tornou um
favorito, mas Piero carecia de toda a sabedoria política de seu pai, era
tirânico e completamente inepto para a sua função. Tanto que atraiu a
condenação de
Savonarola
e o descontentamento popular cresceu rápido. Percebendo o rumo fatal
que os acontecimentos tomavam, e por causa de sua íntima associação com
Piero, Michelangelo fugiu secretamente primeiro para
Bolonha, e depois seguindo para
Veneza, poucas semanas antes de Florença ser invadida por
Carlos VIII da França e Piero ser derrubado e expulso de lá junto com toda a sua família.
17 18
Não conseguindo trabalho em Veneza, voltou para Bolonha, onde
encontrou um novo patrono em Gianfrancesco Aldovrandi, em cuja casa
permaneceu por um ano. Por sua sugestão produziu figuras para a tumba
inacabada de
São Domingos, um
Anjo segurando um candelabro, um
São Proclo e um
São Petrônio, e não fez mais que isso em sua estada com Aldovrandi, além de entreter seu mecenas com leituras de
Dante,
Petrarca e
Boccaccio, apreciadas por seu
dialeto toscano ser o mesmo em que haviam sido escritas.
19 20 Entretanto, conheceu obras classicistas de
Jacopo della Quercia, que exerceram significativa influência em seu estilo.
21 No inverno de
1495 voltou brevemente a Florença. Condivi e Vasari relataram que Michelangelo encontrou-se com
Lorenzo di Pierfrancesco de' Medici, que o encorajou a esculpir um
São João, e depois um
Cupido adormecido,
induzindo o artista a patiná-lo para que pudesse ser vendido como uma
antiguidade por um bom preço no mercado romano. Michelangelo o teria
enviado para Roma em
1496 e sido adquirido pelo
Cardeal Raffaele Riario, mas Clacment acredita que a história é muito duvidosa.
22
Maturidade
De qualquer forma ele viajou para Roma em seguida e hospedou-se por
um ano com Riario, mas para ele aparentemente não produziu nada. Sua
obra seguinte, um
Baco embriagado de grandes dimensões e traços claramente clássicos, foi feita a pedido do banqueiro Jacopo Galli, que solicitou ainda um
Cupido em pé, e através de quem Michelangelo conheceu o Cardeal
Jean de la Grolaye de Villiers,
embaixador da França junto ao
Vaticano, que encomendou a célebre
Pietà,
um tema raro na Itália mas comum na França, que foi imediatamente
aclamada como uma obra-prima, alçando-o à fama. Logo recebeu outras
comissões, incluindo quinze estatuetas de santos para o Cardeal
Francesco Piccolomini, mas realizou destas apenas quatro, interrompendo o trabalho em
1501 para atender um chamado da
Catedral de Florença.
23 24
A encomenda foi de um
David,
a ser instalado nos contrafortes da Catedral. Michelangelo escolheu
para a obra um enorme bloco de mármore que havia sido trabalhado
parcialmente por outros escultores mas permanecia abandonado há quarenta
anos, com mais de 5 metros de altura. Talhar uma obra desse vulto ainda
hoje é um desafio técnico enorme, e quando pronta em
1504
o resultado foi considerado tão brilhante e magnificente que se formou
uma comissão de notáveis para decidir onde colocá-la, pois se julgou
merecer uma posição mais destacada do que a prevista de antemão. Assim,
foi instalada diante do
Palácio dos Priores, a sede administrativa da República, como um símbolo das virtudes cívicas florentinas. Durante esses anos envolvido com o
David, Michelangelo ainda achou tempo para criar várias
Madonnas
para patronos privados, uma estátua e duas em relevo marmóreo e uma
pintada, esta sendo especialmente significativa como um exemplo
precursor do
Maneirismo florentino.
25 Condivi mencionou mais duas obras, em bronze, um
David e uma
Madonna, que não são conhecidas.
26 Depois do sucesso absoluto de seu
David,
Michelangelo foi atraído para projetos monumentais, mas raramente
aceitava ajudantes diretos, de forma que muitos deles não foram
acabados. Foi o caso da outra empreitada com que os magistrados
florentinos o incumbiram, um grande
afresco para a Sala do Conselho, representando a
Batalha de Cascina, um evento da guerra em que Florença conquistou
Pisa.
Leonardo da Vinci
foi convidado no mesmo momento para fazer outra grande pintura na
parede oposta da sala. Nem uma das duas foi terminada, e a de
Michelangelo sequer saiu do estudo preparatório. Em
1505, Michelangelo aceitou um pedido de doze grandes Apóstolos em mármore para a Catedral, mas somente um,
Mateus, foi começado, e mesmo este foi abandonado antes de acabar, pois o
Papa Júlio II o chamara para Roma.
25
Michelangelo: Um dos nus do teto da Capela Sistina.
Júlio estava tão fascinado pelo grande quanto Michelangelo, era
voluntarioso e seus atritos com o artista, cujo temperamento também era
forte, se tornaram lendários. Planejara erguer uma portentosa tumba para
si mesmo, com quarenta estátuas.
25 Definido o desenho, Michelangelo viajou para as minas de mármore em
Carrara para selecionar as pedras, passando lá oito meses. Quando o material chegou a Roma ocupou boa parte da
Praça de São Pedro.
27 Mas estando Júlio engajado ao mesmo tempo na reconstrução da vasta
Basílica de São Pedro, os fundos para o trabalho logo secaram. Michelangelo supôs que o
arquiteto de São Pedro,
Bramante,
havia envenenado o papa contra ele, e deixou Roma, voltando para
Florença, mas o papa fez pressão sobre as autoridades florentinas
exigindo o seu retorno, e em vez de continuar as obras da sua tumba
mandou-o criar uma colossal estátua sua em
bronze
para instalar em Bolonha, que recém havia conquistado em suas
expedições militares. Depois de pronta o fez aceitar, a contragosto, o
encargo de pintar o enorme teto da
Capela Sistina, completado em apenas quatro anos, entre
1508 e
1511.
O resultado foi muito além das expectativas papais, e mesmo que
Michelangelo não estivesse muito à vontade com a técnica da pintura,
preferindo sempre a escultura, deu provas de possuir um gênio pictórico
comparável ao que produziu o
David e a
Pietà. Assim que
terminou o teto, Júlio mandou que ele voltasse a trabalhar em sua tumba,
que jamais foi acabada segundo o plano original. Júlio morreu em
1513
e o projeto então foi revisado várias vezes e sucessivamente reduzido
pelos outros papas, transformando-se em uma obra muito mais modesta do
que a pretendida. Das quarenta estátuas do plano o monumento atual
possui apenas sete, e destas somente o
Moisés
(1513–15) tem real valor, sendo uma contrapartida escultórica das
grandes figuras do teto da Sistina. Seis outras, inacabadas mas também
de grande interesse, representando escravos e prisioneiros,
originalmente pretendidas como parte do conjunto, foram dispersas e
estão hoje no
Museu do Louvre em
Paris e na
Galleria dell'Accademia de Florença. Outra peça importante do período foi um
Cristo Redentor nu para a
Igreja de Santa Maria sobre Minerva.
25
O sucessor de Júlio foi um amigo de juventude de Michelangelo, o
segundo filho de Lorenzo de' Medici, Giovanni, que foi sagrado papa com o
nome de
Leão X. O governante de Florença então era o Cardeal Giulio de' Medici, mais tarde também papa com o nome de
Clemente VII.
Ambos empregaram o artista principalmente em Florença em obras de
glorificação de sua família. Para eles Michelangelo penetrou no terreno
da arquitetura, elaborando um plano para a remodelação da fachada da
Basílica de São Lourenço, nunca concretizado, mas os seus esforços deram melhores frutos em um projeto menor, a construção e decoração da
Sacristia Nova, ligada à Basílica. As obras mais significativas na Sacristia são as originais tumbas de
Giuliano di Lorenzo de' Medici e
Lorenzo di Piero de' Medici,
que compreendem cada uma uma estátua idealizada do morto e duas figuras
decorativas reclinadas sobre o caixão, nem todas inteiramente acabadas
mas de grande pujança, já em um estilo claramente maneirista. No mesmo
período Michelangelo projetou outro edifício anexo à Basílica, a
Biblioteca Laurenciana,
para receber o acervo legado pelo papa Leão X após sua morte. A
estrutura é marcante pela sua livre interpretação dos cânones
arquitetônicos clássicos, tornando-a o primeiro e um dos mais
importantes exemplos do Maneirismo arquitetural.
25
Em
1527
Roma foi saqueada e o papa fugiu, e Florença se revoltou novamente
contra os Medici, banindo-os. Em seguida a cidade foi assediada, e nesse
período Michelangelo foi empregado pelo governo local em obras de
engenharia, projetando fortificações. Esta década e a seguinte foram
especialmente difíceis para ele. Seu pai morrera em
1521
e em seguida seu irmão favorito. Michelangelo se preocupava com o
avanço dos anos e temia a morte, e ainda se envolveu em assuntos
familiares para assegurar a perpetuação do nome Buonarroti. Em sua vida
afetiva se ligou fortemente a homens jovens, em especial a
Tommaso dei Cavalieri, trocando calorosa correspondência e escrevendo-lhes poesias de grande qualidade, tratando do tema do amor na tradição de
Petrarca
e expressando ideias neoplatônicas. Essas ligações e esses testemunhos
materiais têm sido considerados por grande número de estudiosos como
evidências de
homossexualidade, mas para uma minoria influente, da qual participa Gilbert Creighton, editor da
Britannica,
é provável que ele estivesse mais preocupado em encontrar um filho
adotivo e que seu transbordamento emocional não passasse de
retórica literária.
25 28 29 Em
1530
os Medici conseguiram impor definitivamente seu governo em Florença,
Michelangelo voltou ao projeto das tumbas da família e produziu duas
esculturas, um
Gênio da Vitória, que se tornou um protótipo para os escultores maneiristas, e um
David, às vezes identificado também como
Apolo. Em
1534 deixou a cidade pela última vez, a chamado do novo papa,
Paulo III, passando a residir em Roma, embora tenha sempre alimentado a esperança de poder voltar e terminar seus projetos inacabados.
25
Últimas décadas
Maria e Jesus, detalhe do
Juízo Final, 1534–41. Capela Sistina.
Nessa fase Michelangelo deixou um pouco de lado a escultura e se
voltou para a arquitetura, a poesia e a pintura. Paulo III o chamara
para pintar a cena do
Juízo Final
na parede atrás do altar da Capela Sistina. A composição foi outra
obra-prima, mas em um estilo muito diverso daquele do teto, e reflete o
impacto da
Contra-Reforma
na cultura da época. A concepção é poderosa e as figuras ainda são
grandiosas, mas sua descrição anatômica é menos clara. Por outro lado, a
intensidade psicológica e dramática é muito mais impressionante.
25 Uma cena prevista para a parede oposta, mostrando a
Queda de Lúcifer, foi desenhada em cartão mas não realizada. Entretanto, de acordo com Vasari o desenho foi aproveitado por um artista menor na
Igreja da Santíssima Trindade dos Montes, mas com uma execução pobre.
30 Imediatamente depois foi convocado para pintar mais dois grandes painéis na
Capela Paulina, ilustrando a
Crucificação de São Pedro e a
Conversão de Saulo. Nesse período desenvolveu uma profunda ligação afetiva com a patrícia romana
Vittoria Colonna, que perdurou até a morte dela em
1547, compartilhando um interesse pela poesia e pela religião. Desenhou a remodelação da
Praça do Capitólio,
um dos projetos urbanísticos mais notáveis da cidade, e na sua condição
de novo arquiteto de São Pedro, cargo aceito também com grande
relutância, elaborou os planos para a reforma de sua estrutura a partir
das ideias deixadas por Bramante, descartando acréscimos de outros
colaboradores e revertendo a planta para
cruz grega, e também desenhou a
cúpula,
uma grande peça de arquitetura, embora construída somente depois que
morreu, com ligeiras modificações. Enquanto trabalhava em São Pedro se
envolveu em projetos arquitetônicos menores, completando o inacabado
Palácio Farnese, dando aconselhamento nas obras da
Villa Giulia, da
Igreja de São Pedro em Montorio e do
Belvedere do Vaticano, além de fornecer um projeto, não utilizado, para a remodelação da
Basílica de São João dos Florentinos.
25 31
Em 1555
Paulo IV ascendeu o papado e de imediato abriu um conflito com o governo espanhol em
Nápoles, ao mesmo tempo em que intensificou os procedimentos da Contra-Reforma e apoiou a
Inquisição. Cancelou a chancelaria de
Rimini que Paulo III havia outorgado a Michelangelo, uma boa fonte de renda para ele, e quis destruir o
Juízo Final
da Sistina, considerado indecente, o que só não ocorreu graças à firme
oposição de vários cardeais; mesmo assim vários nus foram cobertos. O
clima em Roma se tornou tenso, tropas francesas entraram nos
Estados Papais e, Michelangelo, em
1557 buscou refúgio temporário em um
mosteiro em
Spoleto,
deixando as obras na Basílica a cargo de auxiliares. Voltando a Roma
pouco depois, passou a se dedicar ao projeto de um túmulo para si mesmo,
nunca executado, mas para ele esculpiu a
Pietà de Florença, onde se acredita que ele tenha deixado seu auto-retrato na figura de
José de Arimateia.
Então voltou às obras de São Pedro, mas suas decisões eram
continuamente desacatadas pelos assistentes, criando uma situação
estressante. Em
1559
o papa morreu. Era tão odiado que o povo romano fez grandes
manifestações públicas de regozijo ao saber da notícia, e Duppa diz que
deve ter sido um alívio também para o artista.
32
Pio IV manteve Michelangelo como arquiteto de São Pedro — desta época é o projeto da
cúpula — e lhe restituiu parte das rendas de Rimini. Desenhou um monumento em honra ao irmão do papa a ser instalado na
Catedral de Milão, executado por outros, construiu a
Porta Pia, reformou as
Termas de Diocleciano, transformando-as na
Basílica de Santa Maria dos Anjos e dos Mártires, e projetou uma capela na
Basílica de Santa Maria Maior,
terminada postumamente. A posição de Michelangelo como arquiteto-chefe
de São Pedro nunca agradara aos diretores da obra e aos arquitetos
assistentes, as pressões por fim acabaram por triunfar, e em
1562
ele foi removido do cargo. Mas logo a situação reverteu a seu favor,
pois Michelangelo solicitou uma entrevista com o papa e lhe expôs as
intrigas que haviam levado à situação. O papa mandou examinar o caso,
confirmou as alegações de Michelangelo e o reconduziu à chefia das
obras, e mais, ordenou que suas diretrizes fossem seguidas à risca.
33
Giorgio Vasari:
Tumba de Michelangelo. Basílica da Santa Cruz, Florença.
Em
1563 foi eleito
princeps inter pares da
Accademia del Disegno de Florença, recém fundada por
Cosimo I de' Medici
e Vasari, e somente depois disso, às portas dos noventa anos de idade,
sua saúde e vigor começaram a declinar rápida e visivelmente. Pouco
tempo lhe restava, e na passagem de 1563 para
1564
se tornou claro que já não poderia sair à rua a qualquer hora e sob
qualquer tempo como costumava, e nem podia mais recusar a ajuda de
outros como fora seu hábito perene. Em
14 de fevereiro
de 1564 sofreu uma espécie de ataque, e espalhou-se a notícia de que
ele estava doente. Não obstante, seu amigo Tiberio Calcagni, que correu
visitá-lo, o encontrou na rua debaixo da chuva, mas dizendo que não
encontrava sossego de forma alguma. De acordo com o relato sua face
estava com uma péssima aparência e sua fala era hesitante. Entrando em
casa, recolheu-se para descansar. Outros amigos vieram para atendê-lo,
no dia seguinte pressentiu a morte e mandou chamar seu sobrinho
Lionardo, mas este não chegou a tempo de vê-lo vivo. Faleceu
pacificamente pouco antes das cinco da tarde do dia 18, na companhia de
Tiberio Calcagni, Diomede Leoni, Tommaso dei Cavalieri e
Daniele da Volterra, além dos médicos Federigo Donati e Gherardo Fidelissimi.
34 35
Por ordem do governador de Roma o corpo foi depositado com grandes honras na
Basílica dos Doze Santos Apóstolos,
36
mas Lionardo desejava que ele repousasse em Florença, e teve de roubar o
cadáver e despachá-lo para a outra cidade disfarçado como mercadorias,
sendo entregue na
alfândega local em
11 de março. Dali foi removido para um
oratório, e no dia seguinte em segredo foi levado por amigos para a
Basílica da Santa Cruz,
mas o movimento foi percebido por populares e logo uma grande multidão
se formou para acompanhar o cortejo, prestando-lhe sua última homenagem.
O grupo entrou na Basílica, que ficou completamente lotada, e o
lugar-tenente da Accademia ordenou que o caixão fosse aberto. Segundo os
registros, após vinte e cinco dias de seu falecimento, o corpo ainda
estava intacto e sem qualquer odor. Então foi enterrado atrás do altar
dos Cavalcanti. Em
14 de julho uma grande cerimônia pública homenageou sua memória. Os poemas e
panegíricos escritos para o dia encheram um volume, que foi publicado em seguida. Sua tumba definitiva foi desenhada por
Giorgio Vasari e está na Basílica da Santa Cruz. Mais tarde diversas cidades ergueram-lhe monumentos.
37
Personalidade
Quando adulto Michelangelo tinha uma estatura mediana e possuía
ombros largos e braços fortes, resultado de suas infindáveis horas
trabalhando com a pedra. Seu cabelo era escuro e seus olhos pequenos e
castanhos, usava a barba dividida em duas, tinha os lábios finos, o
nariz quebrado de uma luta na juventude com
Pietro Torrigiano,
e sua testa era saliente. Não dava a mínima atenção à sua aparência
física, vestia-se com roupas velhas, às vezes até esfarrapadas, que
estavam invariavelmente sujas. Mesmo assim não raro dormia com elas e
com seus sapatos. Da mesma forma, era indiferente quanto à comida, comia
pouco e irregularmente, tinha má digestão; ficava tão satisfeito com um
pedaço de queijo como com uma refeição de vários pratos, como as que
comia quando convidado pelos poderosos. Não fazia caso de onde ia dormir
e tinha um sono curto, sofria de dores de cabeça e com o avançar dos
anos teve problemas de
vesícula e
reumatismo
nas pernas, mas em geral gozou de boa saúde até seu último ano de vida.
Trabalhava incansavelmente, pôde adquirir uma educação geral bastante
larga mesmo sem instrução regular, e poucas coisas o interessavam além
de sua arte.
38 39
Entre elas, como se depreende de suas cartas, ele tinha preocupações
quanto à perpetuação e dignificação do nome familiar. Em várias,
dirigidas a seu sobrinho Lionardo, urgiu que ele se casasse com uma
jovem da nobreza, digna dos Buonarroti, e encareceu que ele deixasse o
campo e morasse em um palacete urbano, o sinal mais evidente do
status de um patrício. Em outras expressa sua ambição de
"ressuscitar a sua Casa", e seu desejo de glória tanto pessoal como familiar é documentado por outros testemunhos.
40
Sebastiano del Piombo:
Retrato de Michelangelo, c. 1520–1525.
Enquanto viveu se formou um
folclore a respeito de sua personalidade, descrevendo-o como
terribile,
ou seja, passional e violento. Também era considerado desconfiado,
irritável, antissocial, excêntrico e melancólico, tímido e avarento, e
muitos o chamavam de louco. Vasari e Condivi consideraram necessário
enfatizar que essas descrições eram caluniosas, mas isso prova que elas
eram correntes, mesmo que possam não ter correspondido à toda a verdade.
Eles em vez o descreveram como uma pessoa profundamente religiosa, em
quem a pregação de
Savonarola
sobre o despojamento dos bens mundanos exercera duradouro impacto. Lera
suas obras até o fim de seus dias e dizia que recordava claramente da
sua voz. Disseram ainda que era liberal e generoso, dando obras valiosas
de presente para seus amigos e sendo gentil com seus servos. Como
professor não escondia seu conhecimento dos discípulos, mas não gostava
que fosse divulgado que ele ensinava. Vários de seus alunos o chamavam
de pai. Não era desprovido de senso de humor, e às vezes buscava a
companhia de pessoas capazes de fazê-lo rir. Entre elas apreciava
especialmente os pintores
Jacopo Torni,
Sebastiano del Piombo e o próprio Vasari, com quem se divertia. Era sensível ao trabalho alheio qualificado, e louvava até o de antigos rivais como
Rafael, mas várias vezes expressou seu desprezo pela mediocridade e pela pretensão de outros. Era admirador entre outros de
Donatello,
Ticiano,
Ghiberti e
Bramante,
e mesmo de artistas pouco conhecidos como Antonio Begarelli e
Alessandro Cesari, em quem encontrava qualidades invisíveis para outros.
Sobrevivem documentos que atestam sua natureza generosa e benevolente,
mas outros em parte confirmam aquele folclore, incluindo sua própria
correspondência. Mas é de lembrar em se tratando de um artista tão
diferenciado em relação aos seus contemporâneos, uma pessoa submetida a
pressões internas e externas desconhecidas pela maioria, obviamente não
possuía a mesma natureza que um homem comum e ele por consequência não
poderia se comportar como tal. Sem entrar numa apologia do gênio, seu
enorme talento, suas ideias artísticas visionárias e de amplitude
titânica, sua insatisfação com a conquista ordinária e a sua infatigável
capacidade de realização, dons que se por um lado foram reconhecidos
universalmente e atraíram a admiração e o assombro gerais e lhe valeram o
epíteto de
divino, por outro com toda a probabilidade o
separaram psicologicamente do resto dos humanos, nem se pode esperar que
universos tão distintos pudessem se compreender ou conviver sem tensões
importantes.
41 42 43
É muito difícil fazer uma ideia da evolução de sua riqueza pessoal.
Herdou terras em Settignano e foi capaz de torná-las bem mais produtivas
do que no tempo de seu pai, e até expandiu sua área. Possuía uma
casa-atelier em Roma, duas casas e um atelier em Florença, e se diz que
tinha terras em vários locais da
Toscana.
Suas maiores obras foram pagas regiamente, mas muitas vezes os custos
do material, que não eram baixos, estavam incluídos. Além disso, muitas
vezes seus patronos lhe pagaram irregularmente, em diversas ocasiões não
recebeu o pagamento completo e obras como a tumba de Júlio II
representaram despesa e não ganho para ele. Por outro lado, com seus
hábitos espartanos de vida fez uma boa economia, e numa carta disse que
Paulo III o cumulara de benefícios. Doou altas somas para caridade e
sustentou seus familiares quando pôde, e várias vezes ajudou artistas
pobres, inclusive seus dois biógrafos.
44
Não confiava em bancos e guardava seu dinheiro em um baú embaixo da
cama. Quando morreu este baú continha dez mil ducados de ouro, uma
quantia, segundo Forcellino, suficiente para comprar o
Palácio Pitti.
45
Vida amorosa
Michelangelo nunca se casou e hoje é praticamente um consenso que tenha sido
homossexual,
a despeito da negação de seus primeiros biógrafos. Tem sido aventado
que o artista teve casos amorosos concretos com vários jovens, como
Cecchino dei Bracci, para quem desenhou o túmulo, e Giovanni da Pistoia,
que conheceu enquanto trabalhava no teto da Capela Sistina, e para quem
escreveu alguns sonetos.
46
Mas nenhuma prova concludente se encontrou nessa direção, e é bastante
possível que o próprio Michelangelo, refreando seus sentimentos e
necessidades, tenha fugido à busca de uma consumação carnal. Vários
fatores podem ser considerados para tornar a hipótese plausível. Em sua
juventude em Florença ficara profundamente impressionado com a pregação
de renúncia ao mundo de
Girolamo Savonarola,
e expressou sua admiração por ele ao longo de toda a vida. Em segundo
lugar se considere a influência da visão humanista-neoplatônica de sua
época sobre o amor, outro elemento relevante em seu universo pessoal,
que falava do corpo como
o cárcere terreno, e ainda que aceitasse
o amor entre homens e até o estimulasse, não aprovava o contato físico,
lançando a vivência do sentimento num plano espiritual. Além disso, a
opinião pública sobre o homossexualismo no século XVI era bastante
negativa; em Florença os homossexuais podiam ser castrados ou condenados
à morte. O que transparece fortemente de suas poesias é o perene
conflito entre o impulso ao amor terreno e ao amor divino, que, como ele
mesmo disse,
"o mantinha dividido em duas metades", e segundo
Harmon, pelo que se sabe sobre sua vida, não há como excluir nenhum dos
opostos no estudo de sua personalidade e de sua forma de amar. Ao mesmo
tempo em que reiteradas vezes falou do amor dirigido a pessoas como a
força dinâmica que o capacitava à transcendência —
"o amor nos urge e
desperta, dá penas às nossas asas, e a partir daquele primeiro estágio,
com o qual a alma não se satisfaz, ela pode voar e subir ao seu
Criador" — em outros momentos declarava seu desejo de intimidade física, querendo
"abraçar meu tão desejado, meu tão doce senhor, com meus braços indignos", ou imaginando ser um
bicho-da-seda para tecer uma túnica preciosa
"envolvendo seu belo peito com prazer".
29 47 48 49 Condivi registrou que
"muitas
vezes ouvi Michelangelo discursar a respeito do amor, mas jamais o ouvi
falar qualquer coisa diferente do amor platônico".
50
Dizem Ryan e Ellis, invocando mais outros autores, que a maioria dos
historiadores modernos reconhece a inclinação homoerótica de
Michelangelo, mas a questão de se isso o levou a uma vida sexualmente
ativa permanece uma incógnita.
51 52
Entre os homens quem ocupou o maior lugar em seus pensamentos foi
Tommaso dei Cavalieri,
um patrício amante das artes. Na época Cavalieri era um jovem de 17
anos de idade, e Varchi, que também o conheceu, disse que ele que tinha
um temperamento calmo e despretensioso, uma fina inteligência e
educação, e uma beleza incomparável, e por tais qualidades merecia o
amor de quantos o conhecessem. Logo após seu primeiro contato
Michelangelo enviou-lhe duas breves cartas.
53 Numa delas disse:
"Percebo agora que não posso esquecer vosso nome assim como não
posso esquecer a comida com a qual vivo — não! antes eu poderia esquecer
a comida com que vivo, que infelizmente alimenta apenas o corpo, mas
não vosso nome, que nutre minha alma e meu corpo, enchendo ambos de
tamanho deleite que me torno imune à tristeza e ao medo da morte, isso
enquanto vossa memória dura em mim. Imaginai se o meu olho estivesse
também fazendo sua parte (uma referência à distância física entre eles) o estado em que eu me encontraria!".53
Em outra carta, para seu amigo Sebastiano del Piombo, disse:
"Se o vires, imploro-te que me recomendes a ele mil vezes, e
quando tu me escreveres diz-me algo a seu respeito para eu ter o que
colocar na mente, pois se eu esquecê-lo creio que no mesmo instante
cairei morto".53
Para ele Michelangelo escreveu cerca de quarenta poemas, presenteou-o
com desenhos, e foi o único de quem pintou um retrato, uma obra
infelizmente perdida. Entre os desenhos que deu a Tommaso estão um
Rapto de Ganimedes, a
Queda de Phaeton, a
Punição de Tytus, e um
Bacanal de crianças,
cujos temas são sugestivos. Ainda que Cavalieri tenha retribuído o amor
do artista em grande medida e o tenha expressado várias vezes,
inclusive em cartas, não parece ter sido apaixonado, e o teria cultivado
dentro da esfera da amizade, o que segundo Ryan foi fonte de muita
angústia e desapontamento para Michelangelo.
54 Entretanto, em uma das cartas que Tommaso enviou a Michelangelo se encontra uma passagem ambígua que reza:
"…che
Vostra Signoria torni presto, perché tornando liberarete me di
prigione: perché io fuggo le male pratiche, e volendo fugirle non posso
praticare altri che con voi".
55 Uma tradução direta é
"…
que Vossa Senhoria volte logo, porque voltando me libertareis da
prisão: porque eu fujo das más práticas, e querendo fugir delas não
posso praticar com ninguém mais senão convosco". Frederick Hartt traduziu
praticare como
fazer amor,
56 mas três dicionários consultados não fazem qualquer associação de
praticare com
fazer amor, e a traduzem no sentido de
fazer amizade,
frequentar,
visitar com frequência e
conhecer,
57 58 59
de modo que a interpretação desta passagem permanece duvidosa. O que é
certo é que sua relação se transformou em uma sólida lealdade,
sobrevivendo a alguns atritos e à transformação do jovem em um pai de
família, perdurando até a morte de Michelangelo.
54 Segue um dos sonetos que lhe dedicou:
S'un casto amor, s'una pietà superna |
Se um casto amor, se uma piedade sublime (tradução livre) |
"S'un casto amor, s'una pietà superna, s'una fortuna infra dua amanti equale, s'un'aspra sorte all'un dell'altro cale, s'un spirto, s'un voler duo cor governa; s'un'anima in duo corpi è fatta etterna, ambo levando al cielo e con pari ale; s'Amor d'un colpo e d'un dorato strale le viscer di duo petti arda e discerna; s'amar l'un l'altro e nessun se medesmo, d'un gusto e d'un diletto, a tal mercede c'a un fin voglia l'uno e l'altro porre: se mille e mille, non sarien centesmo a tal nodo d'amore, a tanta fede; e sol l'isdegno il può rompere e sciorre."60
|
"Se um casto amor, se uma piedade sublime,
se uma mesma fortuna une um par que se ama,
se a má sorte a ambos afeta,
se um só espírito, um só querer, governa dois corações;
se uma alma em dois corpos se torna eterna,
com as mesmas asas levando-os ao céu;
se Amor com um só golpe e só uma flecha dourada
fizer arder e testar dois peitos;
se cada um amar ao outro e não a si mesmo,
um só gosto e uma só delícia, a esta meta
se cada um dirigir sua vontade:
se tudo isso por mil se multiplicar, não faria ainda um centésimo
de tamanho laço de amor, de tanta fé;
e somente o desdém o pode quebrar e dissolver."
|
A outra figura de grande importância em sua vida pessoal foi
Vittoria Colonna. Descendente de uma família nobre, foi uma das mulheres mais notáveis da Itália quinhentista. Ainda jovem casou-se com
Fernando de Ávalos, Marquês de
Pescara.
Tornou-se autora de poesias louvadas como impecáveis, das mais
importantes continuadoras da tradição de Petrarca em sua geração, uma
mediadora política, reformadora religiosa, e seus méritos próprios foram
amplamente reconhecidos ainda em sua vida, mas a historiografia
posterior a retratou indevidamente mais como uma figura passiva, à
sombra de grandes homens que conheceu, entre eles Michelangelo.
61 62
É possível que tenham se encontrado em torno de 1537, mas sua relação
só se estreitou em torno de 1542 quando Michelangelo já era idoso e ela,
viúva há dezessete anos. Discutiam arte e religião. Para ela
Michelangelo escreveu várias poesias e produziu desenhos, e ela por sua
vez dedicou-lhe também uma série de poemas. O afeto de Michelangelo
tornou-se intenso, e em seus sonetos meditava se esta não seria mais uma
paixão infrutífera, talvez a mais infeliz de todas. Apesar de suas
dúvidas, o tom geral de suas poesias sobre ela é calmo e doce, e busca a
sublimação de forma mais consistente através da fé.
Walter Pater comparou a relação de ambos com a de
Dante e
Beatriz.
63
A fé em que Michelangelo se apoiou para enfrentar os dilemas de seus
sentimentos foi a da Contra-Reforma, que depositava a responsabilidade
pela solução dos problemas espirituais mais na força interior de cada um
do que em santos, padres, indulgências e outros auxiliares externos
comuns às gerações anteriores. Da parte de Vittoria, Abigail Brundin
disse que as poesias que ela dedicou ao seu amigo revelam o mesmo
esforço de lidar com essa responsabilidade e de compartilhar os frutos
do labor no espírito de uma comunhão evangélica com alguém que passava
pelas mesmas dúvidas e agitações de alma.
64
Michelangelo esteve presente em sua agonia, e ela faleceu em seus
braços, enquanto ele em lágrimas beijava suas mãos sem cessar. Mais
tarde arrependeu-se de não ter ousado beijar-lhe a testa e a face.
Condivi registrou que após a morte de Vittoria Michelangelo passou um
período transtornado, como se tivesse perdido a razão. Em um soneto
expressou sua tristeza e revolta, e disse que jamais a natureza fizera
face tão bela.
65
Obra
Contexto, estilo e ideias sobre arte
Michelangelo viveu ao longo da última fase do Renascimento e na
transição para o Maneirismo, uma época de intensos conflitos sociais e
profundas mudanças na vida cultural. Quando jovem absorveu as lições do
primeiro Renascimento, que estabelecera uma série de cânones técnicos e
estéticos para a representação artística. Esses cânones haviam sido
estabelecidos sobre uma forte tendência de recuperação na arte e na
cultura da tradição
clássica da
Antiguidade,
que se desenvolvia desde séculos antes a partir de uma série de
descobertas de textos de filósofos e outros escritores antigos,
especialmente neoplatônicos
helenistas e
oradores,
poetas,
políticos e
historiadores romanos, e de peças de
arqueologia. Com essa quantidade de novas informações, no século XV se consolidou o que se chamou de
Humanismo, uma síntese eclética dessas fontes
pagãs com o pensamento
cristão, incorporando ainda elementos das tradições árabes, orientais e egípcias, bem como outros oriundos da
magia, das tradições religiosas
esotéricas, da
mitologia clássica e da
astrologia.
O resultado foi a colocação do ser humano novamente no centro do
universo, enfatizando sua nobreza, sua beleza, sua liberdade, os poderes
de seu intelecto e sua natureza divina. Na arte foi criado um sistema
de proporções ideais para a arquitetura e para a representação do corpo e
se cristalizou o sistema da
perspectiva para a definição da representação bidimensional. O Renascimento associou ainda o
idealismo
clássico com um intenso interesse pelo estudo científico do mundo
natural, produzindo uma arte que era uma generalização universal mas
capaz de se deter no particular para descrever caracteres individuais.
Ao mesmo tempo, era uma arte de índole
ética, pois se considerava possuir uma função social da qual não podia escapar, e almejava sobretudo a cura das
almas e a instrução do público para a condução da vida pelos caminhos da
virtude.
66 67 68
Michelangelo passou sua juventude em Florença quando ela estava no
auge de seu prestígio político, econômico e principalmente cultural,
sendo uma referência não só para a Itália mas para boa parte da Europa.
Pouco depois, em torno de 1500, Roma tomou-lhe a dianteira em todos
esses aspectos, onde os papas fortaleceram seu poder temporal
enfraquecido, invocaram para Roma a posição de cabeça do mundo e
herdeira do
Império Romano,
e proclamaram a universalidade de sua autoridade religiosa. Foi a fase
chamada de Alta Renascença, quando as ideias artísticas clássicas a
respeito de harmonia, equilíbrio, moderação, dignidade, proporção e
fidelidade à natureza se tornaram especialmente influentes. Nesta mesma
altura, Michelangelo atingia sua primeira maturidade artística e já
trabalhava para os papas em Roma, produzindo obras que espelham
perfeitamente essas concepções. Entretanto, a Itália já estava sob a
mira de grandes potências estrangeiras, e começou a ser invadida em
vários pontos. Em 1527 Florença foi posta sob sítio e Roma foi vítima de
um terrível saque por tropas do
Sacro Império, enquanto na mesma época no norte da Europa os
Protestantes conseguiam a sua separação da Igreja romana com severas críticas à doutrina e aos abusos e
corrupção do
clero.
A autoridade papal sofreu sério abalo, o poder político italiano no
panorama internacional caiu de imediato, e na Itália se instaurou um
clima sociocultural de incerteza, tensão e medo. A reação da Igreja foi
lançar nos anos seguintes a
Contra-Reforma, estabelecendo uma nova formulação para a doutrina e novas regras para a
arte sacra, onde se tornou uma praxe a
censura prévia com uma orientação claramente
propagandística.
66 67 69 70
Como descreveu Argan, nesse período a religião já não era uma revelação
inconteste de verdades eternas, mas uma busca individual; a ciência já
não se estabelecia sobre a autoridade dos antigos, mas sobre a livre
pesquisa; a política mudava sua base de uma noção de hierarquia emanada
de Deus para se lançar na procura de um equilíbrio sempre provisório
entre forças contrastantes; a História, como experiência já vivida,
perdera seu valor determinante, o que contava então era a experiência de
cada um no presente, e a arte deixava para trás os cânones abstratos e
coletivos para mergulhar no mundo do julgamento individual, da
investigação do próprio processo criativo e da materialidade da obra.
71
Michelangelo: Detalhe do
Juízo Final, Capela Sistina, Vaticano.
Desta forma, os seus cerca de quarenta ou cinquenta últimos anos, a
maior parte da carreira de Michelangelo, transcorreram nesse ambiente
agitado, e seu estilo dessa fase deve ser caracterizado como maneirista,
exibindo traços típicos desta escola que ele mesmo ajudou a fundar,
quais sejam: uma marcada reação ao equilíbrio e harmonia do classicismo e
à idealização da Alta Renascença, a distorção das proporções do corpo,
uma tendência à estilização de feições, ao exagero e ao drama, o uso de
uma paleta de cores pouco naturais, a anulação da perspectiva de ponto
central com a criação de uma sensação de vários planos simultâneos,
arbitrários e irracionais de espaço, e a preferência por formas
espiraladas, contorcidas e bizarras, e por composições apinhadas de
personagens.
25 70
Michelangelo se distinguiu da estética renascentista abandonando a
crença de que a Beleza é produzida por uma relação matemática de
proporções entre as partes do todo, e confiava antes nos
sentidos. Dizia que é mais necessário ter um
compasso
no olho do que nas mãos, pois as mãos produzem a obra, mas quem a julga
é o olho. Não se sentia obrigado a seguir leis estéticas apriorísticas
dizendo que o artista não devia ser guiado senão pela ideia que
concebera, e considerava possível definir outras proporções igualmente
aceitáveis e belas. Sua insistência na sua própria autonomia criativa e
na expressão de sua visão pessoal o tornou o primeiro artista do
ocidente a ter príncipes e papas a seus pés, decretando por si mesmo
como a obra deveria ser realizada, ao contrário da prática anterior à
sua geração, quando o artista era um simples artesão obediente à vontade
de seus patronos. Isso era tanto um reconhecimento de sua própria
capacidade como uma resposta à cultura da época que glorificava a fama
pessoal.
72
Compartilhava com os renascentistas e com seus outros contemporâneos o
amor pela arte da Antiguidade, mas na sua época os modelos disponíveis
eram em sua grande maioria produto do
Helenismo ou da
era romana,
que não são propriamente idealistas e trabalham mais o lado dramático,
dinâmico e emotivo da representação. Também foi estimulado nessa direção
pela descoberta de uma importante obra helenista, o
Grupo de Laocoonte, que causou uma sensação em toda a intelectualidade romana em sua exibição pública no Vaticano em 1508.
73 74
Michelangelo: A figura feminina da
Sibila Cumeia. Capela Sistina, Vaticano.
Apesar de sua inclinação para os modelos romanos e helenistas,
Michelangelo aparece como um grande idealista, um herdeiro direto do
universalismo da arte do Alto Classicismo grego. O artista não estava
mais interessado na observação da natureza além do necessário para criar
um protótipo de forma que ignorava o particular e era aplicável
indiscriminadamente para todos os sujeitos. Nada em sua arte é
específico além da forma geral do corpo humano, e o transformou em algo
cuja potência vem causando admiração desde quando o plasmou em imagem.
Na mesma tradição alto-clássica, procurou expressar as virtudes heróicas
da alma através de corpos poderosos cuja beleza é apoteótica e ideal, e
não humana, porém inevitavelmente filtrando o idealismo antigo através
da sua eclética interpretação pelo Humanismo renascentista, onde o
trágico e o patético também tinham um lugar. Como observou Weinberger,
não representou a sua geração, mas uma geração de gigantes vivendo fora
do tempo, e os edifícios que ergueu parecem ter-se destinado a esta
raça. Mesmo suas obras pequenas têm uma feição monumental. Não
caracterizou trajes ou fisionomias de sua época, não produziu retratos
além de uns poucos desenhos, suas figuras não estão engajadas em
atividades comuns, não aparecem utensílios do cotidiano, nem móveis, nem
arquiteturas da época; não parecem afetadas pelas estações, pela
paisagem em torno. Quando há alguma paisagem, é surpreendentemente
desértica, é apenas um espaço convencional e abstrato onde distribuiu
seus personagens sobre-humanos. Não teve outros alicerces para sua arte
senão o corpo humano, o amor pela sua beleza e uma ideia de sublime
magnificada ao extremo — certa vez buscando mármores em Carrara desejou
transformar uma montanha inteira em uma estátua de um gigante.
75 76 77 78
Até mesmo suas descrições de gênero sexual são ambíguas, em várias de
suas pinturas e esculturas as mulheres são quase tão musculosas quanto
os seus homens e a única diferença visível é a presença de seios e
ausência de um pênis. Por outro lado, algumas de suas figuras masculinas
têm uma languidez e afetação postural só encontradas na representação
feminina de seu tempo.
75 Mesmo que em várias imagens seja aparente um
androginismo,
é amplamente reconhecida sua preferência pelo corpo masculino,
especialmente nu, que é fio condutor de toda a sua produção artística, e
abunda mesmo em suas composições sacras. O nu masculino aparece desde a
sua primeira escultura autenticada, a
Centauromaquia, numa de suas primeiras pinturas, o
Tondo Doni, continua pela sua carreira afora, no
Baco, no
David, no
Cristo Redentor, nos
Escravos e nos
Cativos, no
Gênio da Vitória, no
Jovem ajoelhado e várias outras esculturas, toma a vasta maioria de seus desenhos, é tema de suas poesias e se multiplica nas pinturas
A Batalha de Cascina, no teto e no
Juízo Final da Sistina. Tal frequência desde aquele tempo tem provocado reações negativas em setores da Igreja, a ponto de o
Papa Paulo IV mandar cobrir as genitálias expostas de várias figuras nos afrescos da Sistina, e o
Cristo Redentor em mármore sofrer o mesmo destino, recebendo um manto de bronze.
79 80
Seu estilo e
iconografia
nos últimos dois séculos têm sido objeto do mais acalorado debate entre
os críticos e historiadores, a ponto de Barolsky ter dito ironicamente
que a copiosa bibliografia produzida sobre ele é ela mesma
"michelangelesca",
81
e embora Michelangelo seja em geral contado na mais alta estima, pouco
consenso sobre pontos específicos pôde ser conseguido. Entretanto, em
sua poesia ele deixou muitas pistas sobre suas ideias artísticas e sobre
a vida, e nela, conforme foi sugerido por escritores como
Erwin Panofsky e
Carlo Argan,
parece transpirar o Neoplatonismo como uma influência preponderante, da
forma como ele foi interpretado pelos humanistas e poetas cristãos
italianos como
Marsilio Ficino,
Pico della Mirandola,
Dante Alighieri e
Petrarca. Martin Weinberger, de inclinação
formalista, rejeitou a explicação
transcendental
e assinalou que não se pode atribuir com certeza a uma escola definida
de pensamento ideias que pertenciam à cultura renascentista como um todo
e estiveram sujeitas a uma multiplicidade de correntes. Também disse
que Michelangelo dificilmente teria colocado sua arte acima da natureza,
e que sua obra requer um estudo mais dentro do domínio da arte pura —
seu tratamento dos materiais, a evolução de suas formas e de sua
linguagem plástica. É possível que uma síntese de ambas as visões seja o
caminho mais adequado para se compreender melhor sua produção. De fato a
interpretação de uma peça específica muito dificilmente pode ser
circunscrita a qualquer fonte individual, mas em linhas gerais a
explicação transcendental parece permanecer a tendência mais forte entre
a crítica para interpretar seu estilo e motivações como um todo. Parece
bastante claro que para Michelangelo a busca da transcendência foi uma
força propulsora em todo o seu trabalho, como foi documentada de várias
maneiras, mas estava firmemente inspirada na beleza que ele via no mundo
físico, transformada pelo poder do Amor residente na alma em algo,
então sim, divino.
82 83 Num poema escreveu:
"Vejo em tua bela face, meu Senhor,
aquilo que não posso expressar nesta vida.
A alma, ainda vestida de carne,
com aquilo tantas vezes é transportada para Deus."84
Em outro, disse:
"Meus olhos, buscando coisas belas,
e minha alma, buscando a salvação
não têm outro poder de ascender ao céu
senão contemplando tudo que é belo".
85
Por outro lado, não se pode atribuir um peso por demais determinante
ao que ele disse de si mesmo e de sua arte, ainda que seu testemunho
jamais possa ser descartado. Como lembrou Barolsky, na cultura da época o
artificialismo e a estilização eram onipresentes. Mesmo a arte era
considerada uma
ilusão deliciosa, conforme disse Vasari, e estava
sujeita a uma série de convenções, de domínio público. Os textos do
século XVI são carregados de recursos puramente retóricos, e o
relacionamento social em altas esferas era algo muito próximo de um
teatro.
Da mesma forma as biografias eram peças laudatórias enganosas, e os
escritos poéticos de Michelangelo devem ser analisados levando-se em
conta o contexto desse universo de convenções e artifícios, num processo
de construção consciente da sua imagem pública e do seu próprio
mito que ele levou a um grau
hiperbólico,
modelando a si mesmo à feição de um colosso, assim como fazia com suas
obras. Sua correspondência tampouco é uma fonte exatamente fiel de
informação sobre sua vida; em muitos momentos é evasiva, ambígua,
exagerada, contraditória e às vezes claramente mentirosa, o que não era,
de resto, uma característica exclusiva sua, mas espelhava um
comportamento coletivo. Epitomizando esses costumes, em
1532 foi publicado
O Príncipe, de
Machiavelli,
cujas ideias tiveram larga difusão, sacramentando a necessidade do
governante de usar o engano e a dissimulação pelo bem da manutenção da
ordem pública.
86 87
Outro aspecto que tem intrigado os historiadores é o estado inacabado
de muitas de suas obras. Frequentemente fatores externos, que foram
documentados, o levaram a isso, sendo constantemente chamado de um lado
para outro pelos papas e príncipes, mas em outros casos não houve
qualquer imperativo conhecido que pudesse justificá-lo, e se especula
hoje que as tensões entre suas ideias grandiosas e a dificuldade prática
de transportá-las satisfatoriamente para uma forma concreta e limitada
pela matéria física podem ter sido um elemento importante nesse
fenômeno.
88 89
A seguir são abordadas em mais detalhe as várias técnicas a que se
dedicou, mas dada a quantidade de suas obras, apenas as mais importantes
serão citadas.
Escultura
Michelangelo via a si mesmo acima de tudo como um escultor.
Participou do debate teórico da época sobre qual das artes seria a mais
nobre, a chamada
questão do paragone, e se posicionou do lado dos escultores. Em uma carta escrita para
Benedetto Varchi disse:
"Creio que a pintura só atinge sua excelência na medida em que se
aproxima dos efeitos do relevo, enquanto que um relevo é considerado
pobre quando se aproxima do caráter da pintura. Costumo pensar que a
escultura é o farol da pintura, e que entre ambas existe a mesma
diferença que há entre o sol e a lua. Contudo, também considero ambas em
essência a mesma coisa, na medida em que ambas procedem da mesma
faculdade, e daí que é fácil estabelecer entre elas a harmonia e
encerrar as disputas, que gastam mais de nosso tempo do que produzir as
figuras em si. Sobre aquele homem (Leonardo da Vinci) que escreveu
dizendo que a pintura é mais nobre que a escultura, acho que minha
empregada sabe mais do que ele.72
Para Michelangelo o processo escultórico era uma sucessiva remoção do supérfluo para expor a ideia — o
concetto
— projetada na matéria. Em um de seus poemas comparou o processo com o
ato de Deus tirando o homem do barro. Às vezes fazia modelos em argila
ou cera como estudos preliminares.
90 Suas influências imediatas foram a escultura romana,
Giovanni Pisano,
Niccolò dell'Arca,
Jacopo della Quercia,
Donatello e também
Leonardo da Vinci,
mas desde o início eximiu-se de uma fidelidade estrita a esses modelos,
buscando uma abordagem individual, o que é visível já na
Centauromaquia
que criou para Lorenzo de' Medici, uma das composições mais avançadas
tecnicamente de sua época. Ali o mito é apenas um pretexto, conforme
analisou Argan, para uma pesquisa em torno do movimento puro. Sua
primeira obra importante foi o
Baco, fortemente inspirada em
modelos helenistas. A solução formal é criativa, uma figura
desequilibrada e sensual que anula a solenidade clássica e a transforma
numa figura quase burlesca, em uma contínua interpenetração de curvas e
superfícies polidas que captam habilmente a luz. O contraste é provido
pela pequena figura do
fauno
atrás dele, que serve como suporte estrutural e ao mesmo tempo é
tratado com outras texturas e construído a partir de blocos básicos bem
distintos. Em seguida, com apenas vinte e três anos, esculpiu sua
afamada
Pietà, que tem sido louvada desde a origem pelo seu finíssimo acabamento de superfície e pela sua brilhante composição em
pirâmide, uma forma de grande estabilidade e perfeita para veicular o
pathos melancólico, resignado e meditativo da cena. O
Cristo
aparece no regaço de sua mãe, com uma face tranquila sem sinal de
sofrimento, como se dormisse; suas chagas mal são perceptíveis, o que
enfatiza a beleza do seu corpo. A
Virgem
é uma jovem, e mais parece uma irmã de Cristo e não sua mãe, o que foi
criticado pelos seus contemporâneos. Sua resposta foi de que sua
castidade
tão perfeita teria preservado sua beleza e juventude. A composição é
interessante também porque a figura da Virgem, se estivesse de pé, seria
bem maior do que a de seu filho, um recurso técnico-ilusionístico que
não é notado sem uma medição, mas provê com o seu corpo e o largo manto
cheio de dobras um amplo receptáculo para o descanso do mártir, e
empresta ao conjunto uma impressão de tranquilidade. O sucesso da obra
foi enorme, e foi a única que Michelangelo assinou.
91 92
Entre
1501 e
1504 criou sua maior escultura, o colossal
David
para Florença. Usando um bloco único de mármore já parcialmente
trabalhado, mandou erguer uma cerca em torno e o escavou sozinho, sem
permitir visitas. Quando foi inaugurado causou uma sensação entre os
florentinos. Inteiramente nu, é uma imagem de triunfo, na tradição dos
nus heroicos do classicismo, mas por pudor foi-lhe aplicada uma
guirlanda de bronze sobre o sexo. Apesar do seu tamanho descomunal, o
David é ainda um adolescente, e foi representado nos momentos preparatórios do combate com
Golias.
Sua expressão é tensa, sua mão direita se crispa sobre a coxa, mas não
há ação, tudo se resume na concentração da energia antecipando o momento
mortal. É tanto um símbolo do
civismo republicano de Florença, como foi reconhecido de imediato, como da condição gloriosa do homem no pensamento renascentista.
93 94
A tumba de Júlio II deveria ter sido sua maior obra de escultura, uma
grande estrutura livre dentro da Basílica de São Pedro no estilo de um
mausoléu, com 10 x 15m de área e adornado com 40 estátuas em tamanho natural representando profetas e personificações das
artes liberais,
com uma grande estátua de Júlio de 3 metros de altura coroando o
conjunto. Michelangelo deveria receber pela obra um salário anual de 1
200 ducados — dez vezes mais do que outro artista receberia — e mais um
pagamento final de 10 mil ducados, uma quantia bastante expressiva. O
mármore foi trazido de Carrara e ocupou noventa carros. Para que o
mausoléu pudesse ser instalado na Basílica, esta teve de ser reformada,
destruindo-se a veneranda construção anterior erguida por
Constantino I
entre 326 e 333 d.C., ampliando-se sua planta consideravelmente, e
desviando a maior parte dos recursos de Júlio para lá. Desta forma, as
obras da tumba se paralisaram, Michelangelo teve de pagar o transporte
do mármore por conta própria, reclamou com o papa e foi expulso do
Vaticano. Ultrajado, partiu para Florença. O papa mandou cavaleiros em
sua perseguição mas só o alcançaram perto de Florença. A despeito das
ameaças, recusou-se a voltar e enviou ao papa uma carta protestando
contra os maus tratos.
95
Alguns meses depois ocorreu a reconciliação em Roma, e Júlio solicitou
que ele esculpisse uma enorme estátua sua em bronze para a cidade de
Bolonha, e para lá foi enviado, morando em alojamento precário, tendo de
dividir a cama com mais dois ajudantes, que além disso ele considerava
incompetentes. A primeira fundição da estátua falhou, e teve de ser
refundida, agora com sucesso. Tinha 4 metros de altura e pesava 4,5
toneladas, uma das maiores obras em bronze desde a Antiguidade, sendo
instalada em
1508. Quando Bolonha readquiriu sua independência a estátua foi destruída.
96
Com a morte de Júlio em
1513
a sua tumba se tornou mais do que nunca uma necessidade, mas seus
herdeiros não se dispunham a prosseguir na escala que ele pretendera. Um
dos primeiros esboços de Michelangelo foi revivido e o monumento foi
muito reduzido, a câmara mortuária foi substituída por um simples
sarcófago
e o monumento deslocado para junto de uma parede lateral, mas ainda
haveria diversas estátuas e relevos. Apesar da dedicação com que
Michelangelo se voltou para o trabalho, nos três anos seguintes só três
estátuas haviam sido iniciadas, o
Moisés, e duas outras, de escravos, mas permaneciam inconclusas.
97 Entre
1519 e
1520 fez um belo
Cristo Redentor inteiramente nu para a
Igreja de Santa Maria sobre Minerva, inspirado no modelo do nu heroico da Antiguidade clássica.
98 Havia sido encomendado em
1514
pelo patrício romano Metello Vari, e o trabalho iniciara em seguida,
mas a meio caminho Michelangelo descobriu um veio negro no mármore e
abandonou a peça. Uma segunda versão foi criada rapidamente para cumprir
o contrato, e o polimento final foi entregue a seus discípulos. Anos
depois sua nudez foi oculta.
99
Quando iniciou o pontificado de Leão X o artista foi requisitado para
trabalhar em Florença. Lá, entre vários projetos arquitetônicos,
esculpiu a partir de
1521 um
importante par de tumbas para dois duques Medici na Sacristia Nova.
Como já se tornava uma experiência comum para ele, houve várias
interrupções e não pôde terminá-las, foi chamado para Roma em
1526.
As estátuas dos mortos são belas e nobres, os retratam idealizadamente
vestidos como antigos generais romanos, mas são especialmente notáveis
as que se reclinam sobre os sarcófagos. Na tumba de Giuliano, as
alegorias do
Dia e da
Noite, e na de Lorenzo, a
Aurora e o
Ocaso, com uma possante descrição anatômica e intenso
pathos.
Deveriam ter sido esculpidas ainda quatro estátuas de deidades
fluviais, mas não foram sequer iniciadas. Quando Michelangelo partiu os
monumentos ainda não estavam montados, e sua forma final se deveu ao
concurso de alguns de seus discípulos, que finalmente arranjaram as
tumbas no ano de
1545, na forma como se as vê hoje.
97
Michelangelo:
Tondo Doni, c. 1504. Galleria degli Uffizi.
Provavelmente Michelangelo voltou a trabalhar na tumba de Júlio em 1526, produzindo quatro
Cativos, maiores do que os dois
Escravos,
que também não foram acabados mas modernamente são muito apreciados por
sua concepção poderosa e por parecerem estar lutando em desespero para
se libertar da prisão da matéria amorfa que os rodeia, e Hartt chegou a
dizer que dificilmente seu impacto emocional poderia ser mais forte se
tivessem sido finalizados. Um quarto projeto para a tumba de Júlio II
foi desenhado em
1532,
e formalizado em contrato com a família, em dimensões ainda menores, e
toda a iconografia foi revista. Criou nesta época mais uma estátua, o
Gênio da Vitória,
uma das mais originais composições de Michelangelo com sua figura
fortemente contorcida, a subjugar um prisioneiro, embora não seja
garantido que se destinasse ao túmulo. Também esta não foi finalizada. O
trabalho só foi terminado em 1545 após o papa intervir para liberar o
artista das obrigações com a família de Júlio. E em vez de se localizar
na Basílica, foi montado na
Igreja de São Pedro Acorrentado. O
Moisés,
a única peça que ele completou inteiramente, e que deveria ser apenas
uma figura secundária no projeto original, foi instalado no centro da
composição, rodeado de estátuas muito menos expressivas esculpidas às
pressas e completadas por escultores menores, junto com mais duas, obra
integral de outros artistas.
100 De interesse ainda restam suas obras finais, duas
pietàs. A primeira ele iniciou antes de
1555 como parte de um projeto para uma tumba própria, que não se concretizou. A meio do trabalho exasperou-se com a
"indocilidade da pedra"
e destruiu parcialmente o que havia conseguido. Seus discípulos
tentaram recompô-la e acabar algumas partes, mas sem grande sucesso, e
uma das pernas de Cristo foi perdida. O que hoje permanece é um esboço,
ainda assim pungente, da morte de Jesus, estruturado de forma a parecer
que o peso de seu corpo sem vida é grande demais para ser sustentado
pelas figuras de
José de Arimateia,
Maria Madalena e a Virgem Maria, emprestando à peça uma atmosfera de trágico desalento. Outra das
pietàs, a chamada
Pietà Rondanini,
foi iniciada pouco antes de ele falecer, e permanece apenas com suas
formas sugeridas, mas novamente seu aspecto inacabado, junto com a
sensível concepção do conjunto, tem grande apelo para o público moderno.
101
Pintura
A primeira pintura que se pode atribuir com segurança a Michelangelo é o
Tondo Doni (c.1504), uma imagem da
Sagrada Família.
Seu tratamento de espaços e volumes é claramente escultórico, com
linhas exatas a delimitar as formas, e sua iconografia foi interpretada
por
Charles de Tolnay como um sumário da evolução da fé. A Virgem e
São José pertencem ao mundo do
Antigo Testamento, regido pela
Lei; Cristo é a
Boa Nova, o mundo da
Graça;
São João Batista é a ponte de ligação entre ambos, e a galeria de nus ao fundo representaria o mundo
pagão. O grupo é organizado a partir da forma da pirâmide combinada à
espiral, a
figura serpentinata que se tornou tão cara aos maneiristas, e o tratamento dos planos cromáticos estabelece limites nítidos entre eles, sem
sfumato. Sua obra seguinte de importância teria sido a jamais realizada
Batalha de Cascina,
mas da qual sobrevive uma cópia do desenho preparatório. A cena
escolhida para representação foi a do aviso da chegada das forças
pisanas, colhendo os florentinos de surpresa. Michelangelo usou
novamente um pretexto temático para realizar um notável estudo de
anatomia de corpos humanos, colocando um grande grupo de soldados a se
aprontarem para a batalha numa multiplicidade de posições.
102
Na sequência veio a encomenda do teto da Capela Sistina, um espaço de
grande significado simbólico no Vaticano por ser onde se realizam as
eleições papais. A Capela já era decorada com uma série de afrescos
importantes nas paredes, e a tarefa de Michelangelo foi a de decorar o
teto, pintado apenas de um azul pontilhado de estrelas. A ideia inicial
de Júlio II era de apenas doze grandes figuras dos
Apóstolos, mas Michelangelo concebeu um conjunto de sete Apóstolos e mais as cinco
sibilas da
mitologia
grecorromana, uma escolha bastante incomum mas não inteiramente inédita
para um teto de capela. Acrescentou ainda quarenta ancestrais de
Cristo, uma longa série de cenas do
Genesis,
vários nus e outras figuras acessórias, compondo um grupo de trezentas
figuras dividido em três grupos: a Criação da Terra por Deus, a Criação
da Humanidade e sua queda e, por fim, a Humanidade representada por
Noé.
As figuras exibem uma força e majestade sem precedentes na pintura
ocidental. Todo o tom da obra é monumental, é grandiloquente sem ser
puramente retórico, mas possuindo alta poesia, inaugurando uma forma
inteiramente nova de representar o
trágico, o
heroico e o
sublime, e também o movimento e o
corpo humano.
Sua interpretação temática tem sido objeto de intenso debate desde o
momento de sua apresentação pública, e muitos a tem comparado com um
grande panorama da evolução humana dentro de um escopo cósmico, num
entendimento do Antigo Testamento como uma preparação para a vinda de
Cristo, ou como uma interpretação neoplatônica dos eventos bíblicos sob
uma óptica de relacionamento Deus-Homem particularmente dramática.
25 103 104
Michelangelo anos mais tarde disse que a concepção da iconografia se
devia a ele, mas para quem não tinha uma grande erudição nem sabia
latim, a complexidade simbólica das cenas parece estar além de sua
capacidade de conceituação. Hartt disse que tem sido sugerido que ele
teve um conselheiro
teológico na elaboração do programa temático do teto na pessoa de Marco Vigerio della Rovere, um
franciscano
parente do papa. As cenas são compostas sem relação espacial umas com
as outras ou com as figuras laterais, e o painel não pode ser observado a
partir de um único ponto de vista.
105
É interessante também porque permanece como um documento da evolução
do autor na pintura de afresco em escala monumental, técnica com a qual
ele estava pouco familiarizado no início da obra. Ele partiu da figura
de Noé sobre a entrada, e foi seguindo em direção ao altar. As primeiras
figuras revelam sua inexperiência e usam modelos formais mais ou menos
padronizados e pouco dinâmicos, e as cenas guardam uma escala
relativamente modesta. Mas em pouco tempo, como é visível, adquiriu
confiança e desenvoltura, e estudos recentes têm afirmado que à medida
que o trabalho avançava prescindia mais e mais de esboços preparatórios
na escala definitiva, até descartá-los por completo, pintando
diretamente. A mesma confiança fica patente no tratamento cada vez mais
livre das pinceladas e no crescente dinamismo e expressividade das
figuras, chegando a dimensões de tragédia em alguns personagens, o que
ilustra com clareza a passagem do equilíbrio clássico do Alto
Renascimento para o mundo agitado do Maneirismo. O trabalho foi
interrompido na metade por cerca de um ano, quando não houve fundos para
pagá-lo, e quando foi retomado, curiosamente o mesmo processo evolutivo
se observa da segunda metade, na cena da
criação de Adão, para o final na figura de
Jonas.
Existe porém um diferencial na segunda metade, enfatizando as
atmosferas reflexivas antes do que as anatomias vitais e exuberantes.
25
Figura de
Daniel na Capela Sistina, antes e depois do restauro.
Recentemente uma restauração patrocinada por uma companhia de
televisão japonesa e levada a cabo por uma grande equipe de
especialistas removeu camadas de fuligem de velas, sujeiras diversas e
possíveis restauros anteriores. A opção do responsável pelo trabalho foi
remover tudo o que havia acima da camada realizada em
buon fresco,
o afresco puro, pintado quando a camada de base ainda está úmida,
fazendo com que ao secar as cores se fixem permanentemente incorporadas
ao
reboco.
O resultado foi surpreendente, mostrando uma paleta de cores brilhante e
variada, muito diferente daquela que por séculos foi associada com a
pintura de Michelangelo. Mas o restauro levantou uma turbulenta
controvérsia no mundo da arte. Enquanto que um grupo de críticos louvou o
resultado como uma revelação, dizendo que obrigava à reformulação de
todas as avaliações prévias sobre sua estética, muitos outros peritos
igualmente respeitados consideraram a intervenção uma calamidade que
destruiu a sua pintura para sempre, acusando os restauradores de
remover, além dos detritos acumulados ao longo dos anos, também
acréscimos do próprio Michelangelo que teriam sido pintados
a seco depois do
buon fresco
secar, o que realmente era uma prática bastante comum no seu tempo.
Comparando-se fotografias dos estados anterior e posterior, parece claro
que a adoção de uma solução técnica unificada para todo o painel foi de
fato uma atitude temerária, e que o restauro tenha sido radical demais
pelo menos em alguns pontos, pois é difícil crer que o artista tivesse,
por exemplo, pintado figuras sem olhos, como estão agora algumas delas.
Diversos outros detalhes desapareceram, como ornamentações na
arquitetura ilusionística que emoldura as cenas, pregas nos mantos e o
modelado sutil dos corpos e das sombras, resultando em planos mais
achatados e anulando parte do efeito escultórico da pintura. Entretanto,
em termos de cores a paleta luminosa que surgiu na Capela Sistina teve
uma confirmação quando se restaurou o
Tondo Doni, que traz o mesmo espectro de cores.
25 106 107 108 109 110 111
Michelangelo:
O Juízo Final. Capela Sistina.
Michelangelo:
A conversão de Saulo, Capela Paulina.
Outra composição de grande importância foi realizada na mesma Capela Sistina, a cena do
Juízo Final sobre a parede do altar, pintada entre
1536 e
1541,
encomendada por Paulo III, um tema perfeitamente afinado a um momento
em que a Contra-Reforma exercia com força a censura e perseguia visões
heterodoxas do Cristianismo. A composição é estruturada em torno da
figura monumental de Cristo Juiz, que separa os bons dos maus. Ao
contrário da tradição anterior, que estabelecia esta cena em níveis e
hierarquias rigidamente compartimentalizados, Michelangelo dissolveu boa
parte desses limites, tornando o conjunto muito mais dinâmico e
unificado. A própria distinção entre os condenados e o salvos é
minimizada, e os próprios santos são em sua maioria despojados de
vestimentas e atributos conspícuos, numa massa de corpos nus que se
espalha em movimento por toda a superfície. Toda essa nudez
imediatamente despertou severas críticas de parte do alto clero, e por
pouco o painel não foi destruído.
25 112
Para explicar como uma profusão de nus pôde ser pintada na Capela
Sistina, um dos espaços mais importantes do Vaticano, Crompton disse que
os dois papas mais fortemente associados a ela eram alvo de rumores. O
construtor da Capela,
Sisto IV, foi mais de uma vez acusado de
sodomia, e sua inclinação era confirmada pelo seu próprio camareiro. Júlio II, que mandou pintar o teto, havia sido condenado pelo
Concílio de Pisa como outro
"sodomita, coberto de úlceras vergonhosas". O concílio em verdade serviu a fins políticos de seus adversários, mas outros relatos falam de sua atração por homens jovens.
29
Suas últimas pinturas dignas de nota foram dois grandes afrescos na
Capela Paulina do Vaticano. Depois da grande liberdade mostrada no
Juízo,
ambos foram concebidos com mais rigor e menos dinamismo, ainda que
estejam entre suas obras mais expressivas pela poderosa compactação dos
grupos e pela intensidade dramática da caracterização dos personagens. O
primeiro representa a
Conversão de Saulo, realizado entre 1542 e
1545, organizado em torno da eficiente diagonal entre Cristo no céu e
Saulo arrojado ao solo, cego pela luz divina, com uma grande figura de
cavalo ao centro funcionando como o eixo estrutural que equilibra toda a
cena. O segundo afresco retrata a
Crucificação de Pedro, e foi terminado em
1550,
a mais compacta de todas as pinturas de Michelangelo, organizada também
sobre a diagonal formada pela cruz sendo erguida. Todo o senso de
perspectiva foi ignorado e Michelangelo reverteu ao uso medieval de
representar o que está mais longe numa posição superior, com pouca
distinção de proporções entre o primeiro plano e os planos em recuo. A
cena é essencialmente estática, com pouca ação, mas possui uma pungente
qualidade ritualística.
113
Arquitetura
Vasari disse que os arquitetos do século XV haviam levado a
arquitetura a um alto nível, mas careciam de um elemento que os impediu
de atingirem a perfeição — a liberdade. Descrevendo a arquitetura como
um sistema de regras definidas, declarou que os edifícios novos deviam
seguir o exemplo dos antigos mestres clássicos, mantendo o conjunto em
boa ordem e evitando mistura de elementos díspares. Nessa linha de
ideias, ele acrescentou que a liberdade criativa, apesar de cair fora de
algumas regras, não era incompatível com a ordem e a correção, e tinha a
vantagem de ser guiada pelo juízo do próprio criador. Michelangelo foi
considerado por Vasari o único dos mestres da sua geração a conquistar
essa desejada liberdade, e cujo engajamento pessoal e individualista em
todas as suas atividades, incomum numa época em que o trabalho coletivo
era a regra, abriu caminho para outros arquitetos produzirem obras cada
vez mais personalistas, buscando solucionar os problemas da construção
dentro da esfera da própria arquitetura sem a antiga tutela dos
literatos, dos tratadistas e dos intelectuais, e com um novo senso de
profissionalismo. Isso não impediu, contudo, que elementos clássicos
continuassem a ser empregados, mas numa abordagem eclética e
experimental, e se adequando a novos conceitos de habitabilidade, função
e conforto.
114
Michelangelo: Detalhe do vestíbulo da Biblioteca Laurenciana.
Michelangelo: Projeto da praça do Capitólio, Roma.
Michelangelo: Planta da Basílica de São Pedro, 1546.
Seu primeiro trabalho arquitetônico foi o desenho de uma nova fachada
para a Basílica de São Lourenço, em Florença, executado a pedido de
Leão X em
1515.
O plano possui dois pisos de igual importância, estruturados em dois
blocos laterais dispostos simetricamente em torno de um bloco central
coroado por um
frontão, dentro do esquema clássico. O projeto foi abandonado sem ser realizado. Seu projeto seguinte foi a
Sacristia Nova da Basílica, concebida na tradição de
Brunelleschi, instalando uma
cúpula apoiada em cúpula
pendentes sobre um volume cúbico, com paredes revestidas de
estuque
intercalado com seções em pedra. A decoração interna também foi sua,
criando tumbas para dois Medici de feição arquitetural nas laterais e
aplicando elementos arquiteturais simplesmente decorativos que subvertem
as suas funções primitivas, como
tabernáculos vazios sobre as portas, janelas cegas e
pilastras sem
capitéis. A
Biblioteca Laurenciana,
também anexa à Basílica, é da mesma forma inovadora, especialmente o
espaço do vestíbulo, cuja verticalidade é de todo incomum. Também faz
uso de elementos arquiteturais desvinculados de sua função, como as
janelas cegas e pilastras sem base, apoiadas apenas sobre consoles, além
de agrupar os elementos de forma muito compacta. A peça mas notável no
vestíbulo é a escadaria, tratada de maneira escultórica como um volume
de grande independência em relação à estrutura do edifício. As salas
para a guarda dos livros e para a leitura são convencionais, amplas e
espaçosas na tradição das bibliotecas conventuais medievais,
demonstrando um entendimento das necessidades funcionais do espaço.
115
Em
1534,
com esses projetos ainda em andamento, Michelangelo mudou-se para Roma.
Ali seu primeiro projeto foi a remodelação da praça na colina do
Capitólio, que desde o
Saque de Roma em
1527 estava em ruínas. O papa Paulo III havia recentemente instalado no centro da praça uma importante relíquia romana, a
estátua equestre de
Marco Aurélio,
e Michelangelo foi incumbido de prover um cenário urbanístico para ela,
numa obra que tinha grande importância cívica. Michelangelo encontrou a
área já ocupada por dois palácios arruinados dispostos em um ângulo
arbitrário, com um outro no fundo da praça. Aproveitou a disposição
original dos palácios e criou um espaço intermédio
trapezoidal,
em cujo centro foi colocada a estátua, organizando os volumes e vazios
de forma simétrica. Os palácios foram restaurados e suas fachadas
redesenhadas, com um projeto diferenciado para o do fundo e fachadas
gêmeas para os laterais. Para a entrada da praça Michelangelo concebeu
uma rampa-escadaria monumental, interligando o topo da colina com o
nível da cidade. O resultado do conjunto foi brilhante. Ele não chegou a
ver o projeto concluído mas seus continuadores seguiram o desenho que
deixou.
116
Sua obra mais ambiciosa na arquitetura foi sua participação na reforma da
Basílica de São Pedro. Usou como base o projeto desenvolvido por Bramante, que considerava de alto nível, e como ele preferia a planta em
cruz grega
como a mais adequada para uma igreja. Mesmo nesse terreno sua obsessão
pela forma humana se torna evidente; pensava que o edifício era
comparável a um corpo humano, significando organizar suas partes em
torno de um eixo central, assim como os membros se organizam em torno do
tronco. Dizia que quem não dominava a forma do corpo não seria capaz de
compreender a arquitetura. Suas modificações no desenho bramantino
foram a compactação do conjunto, eliminando o esquema de várias cruzes
interligadas e estruturando a planta sobre uma única grande cruz, com
uma entrada de
colunata dupla sustentando um
frontão clássico. A configuração atual da Basílica, todavia, é em
cruz latina,
tendo sido reformada em anos posteriores. Seu tratamento das fachadas
também revela sua tendência de dar mais unidade e coerência ao conjunto,
estabelecendo uma série de
pilastras externas na
ordem colossal,
que atravessa dois pisos e os interliga poderosamente sem interromper a
fluência do desenvolvimento horizontal. Essa ideia havia sido esboçada
por
Leon Battista Alberti numa igreja de
Mântua,
mas Michelangelo levou-a à sua conclusão lógica e em uma escala
monumental, tornando-se um modelo para os arquitetos do Maneirismo e do
Barroco. Outra contribuição importante para o edifício foi o desenho de sua
cúpula. Planejou de início uma cúpula
ogival, como a da
Catedral de Florença, mas depois o reformulou de forma
hemisférica
para compensar a verticalidade do bloco inferior e para criar um
diálogo entre elementos estáticos e dinâmicos. Contudo, ele não viu a
cúpula ser construída, e quando o foi seu segundo desenho foi descartado
e
Giacomo della Porta
reverteu o projeto para sua concepção primitiva, julgando-o, com boas
razões, mais estável e fácil de construir. Mesmo assim ainda é uma
criação de Michelangelo, e uma das mais importantes em seu gênero em
todo o mundo, sendo também ela um modelo para gerações futuras.
117
Desenho
Michelangelo: Estudo para o
Adão da Capela Sistina, c. 1510. Museu Britânico, Londres.
Michelangelo:
Tytus, c. 1533, para Tommaso dei Cavalieri. Royal Collection, Castelo de Windsor.
A maior parte dos desenhos de Michelangelo que sobrevivem são esboços
preparatórios para suas obras em escultura e pintura. Não obstante,
possuem qualidades que os tornam obras de arte por si mesmos, e
demonstram uma habilidade consumada no tratamento da forma, nos efeitos
de luz e na descrição da anatomia e do movimento. Era capaz de obter
efeitos de volume muitas vezes com o simples controle da espessura do
traço. O estudo dos seus desenhos lança luzes valiosas sobre o seu
processo criativo e sobre as mudanças na concepção de uma obra, e
existem vários deles que jamais foram transportados para outros
formatos, permanecendo como testemunhos únicos de uma dada ideia. Mas
nem todos foram concebidos como estudos, presenteou seus amigos várias
vezes com obras acabadas, e realizou alguns retratos, o que indica que
ele considerava esta técnica como um território autônomo da arte.
Dava-lhes grande valor, e os guardava ciosamente. O domínio do desenho
era enfatizado quando ensinou seus poucos alunos, recomendando que eles o
praticassem sem cessar, muitas vezes provendo desenhos seus para que
copiassem. O desenho também lhe serviu como meio de divulgação de suas
ideias, e após 1550 realizou vários para serem transportados para a
pintura por outros artistas.
118
Vasari disse que pouco antes de morrer Michelangelo queimou grande
quantidade de seus desenhos e esboços, a fim de que ninguém pudesse ver o
modo como ele desenvolveu seu trabalho e testou o seu gênio, para que
sua imagem pública não parecesse menos do que perfeita. Com isso o
acervo remanescente é relativamente reduzido, e as peças que escaparam
da destruição foram altamente cobiçadas pelos colecionadores. Seu
próprio sobrinho Lionardo teve de desembolsar uma elevada quantia quando
quis adquirir alguns no mercado de arte romano. A maior parte deles,
cerca de duzentos, está preservada na
Casa Buonarroti
em Florença, como um legado de seus descendentes. Devido à
superexposição à luz e a más condições ambientais ao longo dos séculos,
grande parte da coleção sofreu grave prejuízo, mas foram restaurados na
década de 1970.
119
Poesia
Na opinião de Alma Altizer Michelangelo foi um poeta extraordinário, e
em seus melhores momentos foi capaz de expressar uma poderosa unidade
de visão que os torna ao mesmo tempo rústicos e sofisticados, arcaicos e
contemporâneos, obscuros e cristalinamente claros. Buscava com eles
poder expressar
"os movimentos internos de sua alma". Para a pesquisadora sua força deriva de sua capacidade de condensar nos poucos versos de suas formas favoritas, o
soneto e o
madrigal,
uma vasta gama de significados e uma rica pletora de imagens poéticas,
penetrando fundo na dialética inerente à vida humana. Nos cerca de
trezentos poemas e fragmentos que chegaram aos dias de hoje é recorrente
a exploração de antíteses — imaginação e realidade, criação e
destruição, sujeito o objeto, espírito e matéria, amante e amado, dor e
prazer, vida interior e exterior, beleza e feiura, vida e morte. Suas
primeiras obras são muitas vezes inacabadas, convencionais e derivativas
de
Dante Alighieri e
Petrarca, e também da filosofia
escolástica
em sua maneira de lidar com os paradoxos morais e religiosos, mas com o
passar dos anos desenvolveu uma técnica sintética original que lhe
possibilitou manejar as antíteses em vários planos simultâneos. Girardi
apontou como outras características de sua poesia uma tendência a
abstrair e interiorizar as imagens e expressões formais que herdou de
seus modelos, uma recusa a usar conceitos de maneira simplesmente
ornamental como um fim em si mesmos, e uma capacidade de evitar
circunlóquios e ir diretamente ao ponto desejado, o que lhes empresta
uma grande força persuasiva e os anima como imagens de uma experiência
verdadeira.
120 A seguir um madrigal composto para Vittoria Colonna:
Non pur d'argento o d'oro |
Nem só de prata ou ouro (tradução livre) |
"Non pur d'argento o d'oro vinto dal foco esser po' piena aspetta, vota d'opra prefetta, la forma, che sol fratta il tragge fora; tal io, col foco ancora d'amor dentro ristoro il desir voto di beltà infinita, di coste' ch'i' adoro, anima e cor della mie fragil vita. Alta donna gradita in me discende per sì brevi spazi, c'a trarla fuor convien mi rompa e strazzi."121
|
Nem só de prata ou ouro
fusos no fogo, ainda espera ser cheia,
oca da obra feita,
a fôrma, que só a revela ao quebrar;
eu também, a queimar
de amor, por dentro eu forro
o anelo oco pela beleza infinda
daquela que eu adoro,
alma e coração desta frágil vida.
Nobre dama, e bem-vinda,
em mim desce por tão finos espaços,
que a extraí-la me rompo em pedaços.
|
Para Altizer este poema exemplifica o melhor da produção de Michelangelo. O uso de palavras em sua forma toscana arcaica, como
fora, foco, volta, opra, fratta, tragge,
reforça a atemporalidade do conceito de que o amor é uma força ao mesmo
tempo criativa e destrutiva, e que a produção de uma obra de arte
de prata ou ouro, significando sua alta qualidade, muitas vezes exige o sacrifício do artista, que
se rompe em pedaços
para trazê-la à luz. Também condensa em poucas linhas a relação da arte
com o amor e o desejo insaciável pela beleza infinita, e a noção de que
a alma do artista é incompleta sem a presença da sua musa. Essa
condensação é possível graças ao uso de formas sintáticas compactas,
invertidas ou interpoladas e pela escolha de poucas palavras-chave que
por si trazem junto uma série de conceitos associados.
120
Apesar de suas altas qualidades, a maior parte de sua obra poética não
foi escrita senão para ele mesmo e para um reduzido círculo de amigos.
Vários poemas foram registrados em fragmentos de papel, ou em meio a
outros escritos, como se fossem pensamentos paralelos que ele captou de
passagem. Uma vez pensou em publicar cerca de uma centena deles, mas seu
editor faleceu antes de terminar o trabalho e ele não retornou ao
projeto, mas alguns apareceram a público sem seu consentimento, e foram
considerados obras preciosas.
122 Berni o elogiou com um
terzetto onde dizia:
"Calai todos vós, pálidas violetas, e líquidos cristais, e bestas pétreas: ele fala coisas, e vós dizei só palavras."122
Benedetto Varchi nas homenagens fúnebres a Michelangelo igualou sua
poesia às suas realizações nos outros campos da arte. Mesmo assim, essa
apreciação não era generalizada, e somente em
1623
surgiu uma coletânea, obra de seu sobrinho-neto Michelangelo, o Jovem,
mas largamente corrigida, atualizando a linguagem e expurgando-a de
alusões homoeróticas e de declarações consideradas inaceitáveis para a
moral e a religião. Esta edição foi a única disponível até o século XIX,
quando as adulterações do editor foram em boa parte removidas e as
poesias restauradas a uma forma bastante próxima da original. O
interesse nesse momento era já significativo, mas sua tradução para
outras línguas era considerada extremamente difícil. Uma edição completa
só foi conseguida por Cesare Guasti em
1863, mas padecia de problemas editoriais sérios. Em
1897
Carl Frey ofereceu o primeiro trabalho realmente erudito de edição,
catapultando a produção poética de Michelangelo para um patamar muito
mais elevado de atenção do público, tornando-se canônico por cerca de
sessenta anos, embora ainda apresentasse algumas deficiências. Em
1960
Enzo Girardi publicou outra edição completa, muito superior, oferecendo
uma versão em italiano moderno ao lado de uma versão restaurada que se
tornou referencial, e provendo uma ordenação cronológica baseado na
evolução da
caligrafia
de Michelangelo, o que possibilitou estudar o tema em relação à sua
evolução artística como um todo e com os acontecimentos de sua vida
pessoal. O quadro formado a partir disso é que ele só começou a escrever
depois de
1503, produzindo quatorze poemas até
1520. Desta data até
1531, mais trinta ou quarenta, e entre
1532 e
1547,
cerca de duzentos, divididos em três grupos: o primeiro dirigido a
Tommaso dei Cavalieri, expressando uma intensidade de amor que tornava
seu destinatário o epítome de tudo o que de bom poderia haver no mundo,
unindo de maneira sem igual a beleza do corpo e do espírito; o segundo,
dirigido a Vittoria Colonna, igualmente intenso afetivamente mas mais
inclinado à religiosidade; e um grupo para uma destinatária
desconhecida, a
dama bela e cruel, possivelmente uma figura
simbólica e não uma pessoa real, tratando de temas variados não
relacionados ao amor. A última fase é a mais eclética, e só pode ser
agrupada pela cronologia, mas um tema comum é a religião, expressando
seu desejo de paz e perdão por seus pecados. Depois da contribuição de
Girardi as edições e traduções se multiplicaram, e até o fim do século
XX somente em inglês apareceram cinco edições completas. Entretanto, na
própria Itália ele está longe de ser uma unanimidade entre os críticos, e
nomes importantes como
Benedetto Croce e
Giuseppe Toffanin consideraram sua poesia pobre, pouco original e seriamente defeituosa.
123
Curiosamente o próprio autor escreveu comentários ao lado de vários
poemas denegrindo seu mérito, mas ele não estendia essa opinião ao
conjunto de sua obra poética, e escreveu a
Jacob Arcadelt
agradecendo-lhe ter musicado um deles, e a Varchi por uma palestra
altamente laudatória que proferira em Florença sobre esta faceta de sua
carreira; além disso, como se disse antes, ele pelo menos uma vez
tencionou publicar uma coletânea substancial.
124 Seus poemas foram musicados várias vezes ao longo da história, por compositores como
Costanzo Festa,
Bartolomeo Tromboncino,
Jacob Arcadelt125 Dmitri Shostakovitch,
Hugo Wolf,
Richard Strauss,
Luigi Dallapiccola e
Benjamin Britten.
126 127
Correspondência
Michelangelo era um assíduo correspondente; sobrevivem quase
quinhentas das incontáveis cartas que escreveu para os mais diferentes
destinatários, embora estes tenham sido principalmente seus familiares,
amigos, agentes e patronos. Elas são uma fonte da maior relevância para
se formar uma ideia mais completa de sua vida, personalidade e obra. Em
várias delas se encontram exemplos de sua poesia, e em sua
prosa
exibem, segundo George Bull, um dialeto toscano robusto e fluente,
capaz de transitar entre uma linguagem rica e florida e asserções
diretas e objetivas, muitas vezes de dura crítica, expressando uma
imaginação viva e complexa, uma posição ambivalente sobre várias coisas e
uma sensibilidade refinada e passional, muitas vezes coloridas por um
fino senso de humor, mas que às vezes chegava ao grotesco. Não raro
abordou temas centrais da vida humana — a morte, a religião, o amor e a
ambição. Usava muitas
metáforas de grande vivacidade e sua habilidade com os jogos de palavras era grande.
128 Segue uma carta dirigida a Tommaso dei Cavalieri em dezembro de 1532:
"Impulsivamente, senhor Tommaso, meu senhor caríssimo, sou
impelido a escrever a Vossa Senhoria, não em resposta a alguma (carta)
vossa que houvesse recebido, mas antes por andar como as plantas meio
secas à beira de um magro regato, que por pouca água sofrem
manifestamente. Mas depois que parti da praia não encontrei pequenos
córregos, mas o oceano profundo onde aparecestes, tanto que, se pudesse,
para não submergir de todo, à praia de onde parti primeiro
voluntariamente retornaria. Mas como estou aqui, faremos pedra do
coração e seguiremos; e se não tenho a arte de navegar pelas ondas do
mar de vosso valoroso gênio, me desculpareis, nem desdenhareis o que vos
digo, nem querereis dar-me o que não possuo: pois quem é sempre
solitário, nunca pode ter companhia. Mas Vossa Senhoria, única luz de
nosso século, não pode satisfazer-se com a obra alheia, não tendo
semelhantes nem alguém igual a si. Mas se entre as minhas coisas, que
espero e prometo fazer, alguma vos agradar, a direi muito mais
afortunada do que boa; e quando estiver certo de agradar, como disse, em
alguma coisa a Vossa Senhoria, o tempo presente, com tudo o que surgir
através de mim, nela porei, e pesa-me demais não poder reaver o passado,
pois então poderia servi-lo muito mais longamente do que só possuindo o
futuro, que será breve, pois já sou muito velho. Não tendes que
dizer-me nada. Lede o coração e não a palavra, porque a pena não é fiel à
boa vontade. Oh, desculpai-me que antes tenha-me mostrado estupefato
com vosso peregrino gênio, pois sei quanto agi mal; pois natural é
maravilhar-se que Deus faça milagres, assim como maravilha que Roma
produza homens divinos. E disso o universo é testemunha."129
Outra carta, escrita para seu irmão Lionardo em agosto de 1541:
"Lionardo, me escreves que vens a Roma neste setembro com o
Guicciardino. Digo-te que não é uma boa hora, pois não farias senão
aumentar as minhas preocupações, além das que já tenho. E digo isso
também para Michele, porque estou tão ocupado que não tenho tempo a
perder convosco, e todas as outras coisinhas me aborrecem demais: só por
isso te escrevo. É preciso preparar a quaresma, te mandarei dinheiro
para que te ajeites bem, para que não chegues aqui como uma besta.
Escrevi também a Michele, e aconselha-o que também ele se apronte para
fazer uma boa quaresma, pois ficarei aliviado; mas talvez haja qualquer
coisa que ele precise fazer em Roma em setembro. Isso não sei, mas se
não for o caso, de novo aconselho que não venham antes desta quaresma,
porque em setembro não terei tempo de qualquer forma para falar
convosco, ainda mais que o Urbino que está comigo vai em setembro a
Urbino e me deixa aqui sozinho com tanto a fazer. Mas não me faltará
alguém que me providencie a comida! Lê esta carta para Michele e
pede-lhe que se prepare para esta quaresma como eu disse. E anda a
treinar a escrita!, que me parece que tu pioras a cada dia."130
Legado e fortuna crítica
Michelangelo foi repetidas vezes disputado por várias cidades, que
tentaram seduzí-lo com pensões vultosas para que se estabelecesse entre
eles. Até mesmo o
sultão da
Turquia
desejou tê-lo em sua corte. Os banqueiros Gondi de Florença puseram à
sua disposição quaisquer quantias que ele desejasse. O rei da França,
Francisco I, lhe ofereceu 3 mil coroas para lá se radicar, e a
Signoria
de Veneza, uma pensão vitalícia de 600 coroas e liberdade completa de
ação. Foi estimadíssimo por todos os seus patronos; mesmo o turbulento
Júlio II, com quem brigou inúmeras vezes, lhe mostrava caloroso afeto.
Júlio III,
embora não o tenha empregado para nenhuma tarefa definida em
consideração à sua idade avançada, constantemente solicitava seu
conselho e se mostrava tão atencioso a ponto de dizer que daria seu
sangue e anos de sua vida para prolongar a de Michelangelo, queria
sempre que ele sentasse ao seu lado e abria caminho quando ele passava.
131
Para seus contemporâneos e sucessores imediatos, a influência visual
de sua arte foi relativamente pequena e não pode ser comparada à
influência de sua personalidade como um grande criador, nem guarda uma
relação direta com a fama alcançada por suas maiores obras,
possivelmente porque o seu modelo formal era considerado grandioso e
sublime demais e, por isso, inibidor para a formação de uma verdadeira
escola. Os casos em que se assinalou uma influência direta foram poucos e
revelam uma dependência quase completa ao mestre, como foi o de
Daniele da Volterra,
o mais talentoso entre seus discípulos. Entretanto, em aspectos
limitados ele continuou por muito tempo sendo considerado um modelo,
especialmente no terreno do desenho anatômico. Na escultura ele
contribuiu para cristalizar a forma da
figura serpentinata, que teve uma grande penetração entre os maneiristas, e artistas importantes do
Barroco como
Rubens,
Borromini,
Ticiano,
Tintoretto e
Bernini devem algo às suas concepções. No século XIX
Rodin também se mostrou sensível ao seu tratamento de volumes e superfícies.
25 132 133 134
Na arquitetura sua obra também teve um impacto fertilizador sobre os
criadores da geração seguinte, abrindo um caminho para experimentações
livres e individuais a partir dos padrões clássicos ortodoxos.
114 116
Michelangelo foi o primeiro artista ocidental a reivindicar
consistentemente sua independência criativa, e o prestígio de que
desfrutou em vida, tornando-o um iluminado, um ser tocado pelo divino,
desencadeou um processo de inversão das hierarquias do sistema de
produção e consumo de arte que culminou na visão romântica do artista
como um gênio isolado, incompreendido, semilouco, preocupado apenas com a
expressão de si mesmo, atormentado por anelos insatisfeitos pelo
infinito, à frente de seu tempo, perseguido por filisteus insensíveis e
absolutamente livre de obrigações sociais ou morais para com seu
público.
135
As primeiras análises substanciais da obra de Michelangelo apareceram
nas duas biografias que foram escritas sobre ele enquanto ainda estava
vivo, embora não se possa a rigor dizer que fossem críticas; são antes
elogios efusivos ao seu talento e caráter pessoal. A primeira foi
incluída no compêndio biográfico de
Giorgio Vasari,
As vidas dos mais excelentes pintores, escultores e arquitetos (1550). O texto inicia dizendo que
"o
benigno Regente dos Céus, vendo quão infrutiferamente os artistas se
esforçavam para aperfeiçoar a arte, decidiu enviar à Terra um gênio
capaz de, sozinho, levá-las todas à perfeição consumada". Mesmo com todo o elogio, Michelangelo, ao ler o trabalho, não ficou inteiramente satisfeito. Assim, seu discípulo
Ascanio Condivi em
1553 escreveu sua
Vida de Michelangelo Buonarroti,
que contém dados fornecidos pelo próprio artista, mas mesmo esta versão
de sua história não foi considerada de todo fiel, e contém muitos erros
factuais importantes. Mas o tom da narrativa é o mesmo do de Vasari.
Por exemplo, ao descrever os afrescos da Capela Sistina, disse que ali
estava tudo o que era possível fazer com a forma humana. Por outro lado,
possui muita informação valiosa, e foi usada como uma das fontes de
Vasari para sua segunda edição das
Vidas, de
1568,
que se tornou um texto canônico sobre ele, mas não deixou de criticar
vários aspectos do trabalho de seu colega. Todos esses estudos se
esforçaram por criar uma imagem pública de Michelangelo sob uma
perspectiva heroica, divinizada e exemplar, apagam defeitos de caráter
que eram notórios para os outros contemporâneos do artista, e inclusive
negam peremptoriamente os boatos que diziam ele ser homossexual; Condivi
chegou ao ponto de assegurar que ele era tão
casto quanto um
monge.
136
Os elogios a ele em seu tempo foram incontáveis, e além do que Vasari e
Condivi disseram, acrescentem-se mais alguns a título de ilustração:
Benedetto Varchi disse que seu talento incomparável seria reconhecido até entre os bárbaros;
Perino del Vaga o chamou de o deus do desenho;
Ariosto disse que ele estava além dos mortais, e até
Rafael Sanzio, que fora seu rival, falou que dava graças a Deus por ter nascido no tempo de Michelangelo.
137
Expressões semelhantes foram encontradas amiúde nos séculos seguintes.
Goethe,
depois de ver a Capela Sistina, disse que já não tinha prazer em
observar a natureza, pois não mais encontrava nela a grandeza com que
Michelangelo a retratara;
138 foi uma influência sobre
Winckelmann na sua conceitualização do
Neoclassicismo, e ele o considerava um dos poucos artistas modernos a se igualarem às realizações dos antigos gregos;
139 foi um paradigma para todos os artistas românticos pelo caráter autobiográfico de sua obra, pela sua paixão e ambição;
140 Yeats
louvou a sua capacidade de imitar a natureza e viu sua obra como uma
confirmação de suas próprias inclinações a valorizar a vida física;
141 Freud disse que nenhuma outra obra de arte o impressionara tanto como o
Moisés,
deu uma interpretação psicológica para ele relacionando-o a figuras de
autoridade e à força da justa indignação, e viu em seu idealismo
patriarcal uma expressão concreta da mais alta conquista intelectual
possível para a humanidade.
142 Foi admirado até por artistas das vanguardas iconoclastas do século XX, como
Henry Moore, que o chamou de sobre-humano.
143
A despeito da tendência moderna de se estudar a arte dentro de uma
óptica acadêmica que tem muito do racionalismo e objetividade da
ciência, ainda em tempos recentes são comuns expressões bombásticas para
descrever sua vida e obra. Como exemplo, Sir
Kenneth Clark disse que Michelangelo foi um dos maiores eventos na história do homem ocidental, e
André Malraux o chamou de o inventor do Herói.
144
Antonio Paolucci considerou esse fenômeno como virtualmente impossível
de ser evitado, dada a enorme pressão nesse sentido exercida pela
reiteração continuada de um processo de deificação acrítica e
incondicional ao longo de séculos, em uma dimensão tal que nenhum outro
artista experimentou.
145
De uma forma bastante clara, ele foi o primeiro grande artista moderno,
e permanece como o protótipo do conceito de gênio até os dias de hoje.
146
Na cultura
Michelangelo foi um dos poucos artistas do mundo erudito que puderam penetrar na
cultura popular e criar um
folclore
a seu respeito. Ele deu o nome a uma quantidade de pessoas,
estabelecimentos de ensino, empresas e produtos comerciais de vários
tipos, incluindo uma mão biônica.
147 É nome de um
vírus de computador,
148 de um grande transatlântico,
149 de um
asteroide,
150 de uma
cratera no planeta
Mercúrio,
151 de uma das
Tartarugas Ninjas,
152 e sua figura foi retratada no
cinema, sendo considerado um clássico o filme
The Agony and the Ecstasy (
1965), dirigido por
Carol Reed e com
Charlton Heston no papel do artista.
153
Michelangelo: A criação de Adão. Capela Sistina
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- ↑ Ayrton, pp. 5-8.
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- ↑ Gazetteer of Planetary Nomenclature: Mercury Nomenclature: Crater, craters. U.S. Geological Survey.
- ↑ Michelangelo. Ninja Turtles Official Website.
- ↑ The Agony and the Ecstasy (1965). Internet Movie Database.
Ver também
Ligações externas
[Esconder]
Michelangelo |
Esculturas |
Cabeça de fauno (perdida, c. 1488) • Madonna da escada (c. 1491) • Centauromaquia (c. 1492) • Crucifixo (atribuição, 1492) • Hércules (perdido, 1492) • São Petrônio (1494–95) • São Proclo (1494–95) • Anjo (1494–95) • Cupido adormecido (perdido, 1496) • Baco (1496–97) • Cupido em pé (perdido, c. 1497-1498) • Pietà (1499–1500) • David (1501-04) • Madonna de Bruges (1501–04) • São Paulo (1503–04) • São Pedro (1503–04) • Pio (1503–04) • Tondo Taddei (c. 1503) • Tondo Pitti (c. 1503) • São Mateus (c. 1505) • Tumba de Júlio II (1503-45) - Moisés (c. 1513–15) Escravo rebelde (1513–16) Escravo moribundo (1513–16) Jovem prisioneiro (1520-23) Atlas (1520-23) Prisioneiro barbado (1520-23) Prisioneiro despertando (1520-23) Raquel (1545) e Lia (1545) • Estátua de Júlio II (perdida, 1508) • Gênio da Vitória (c. 1532–34) • Cristo Redentor (1519–20) • Tumba de Giuliano di Lorenzo de' Medici (1521-26) • Tumba de Lorenzo di Piero de' Medici (1521-26) • Virgem e o Menino • Apolo ou David (c. 1530) • Jovem ajoelhado (c. 1530-34) • Busto de Brutus (1540) • Pietà Palestrina (atribuição duvidosa, 1550) • Pietà de Florença (c. 1550) • Pietà Rondanini (1552–64) |
 |
Pinturas |
O tormento de Santo Antônio (atribuição, c. 1487-88) • Madonna Manchester (c. 1497) • Tondo Doni (c. 1503–06) • Sepultamento de Cristo (c. 1505) • A Batalha de Cascina (somente o esboço, perdido, 1504) • Leda e o Cisne (perdida, 1530) • Teto da Capela Sistina (1508–12) • O Juízo Final (1534–41) • Crucificação (perdida, c. 1542-47) • A crucificação de São Pedro (1542–50) • A conversão de Saulo (1542–50) |
Arquitetura |
Capela de Leão X (1504) • Fachada da Basílica de São Lourenço (não realizada, 1520–34) • Sacristia Nova (1520–34)• Biblioteca Laurenciana (1523–59) • Fortificações de Florença (1528–29) • Praça do Capitólio (1538) • Palácio Farnese (1546) • Basílica de São Pedro (1546–1564) • Basílica de São João dos Florentinos (não realizada, 1559–60) • Capela Sforza (c. 1560) • Porta Pia (1561–65) • Basílica de Santa Maria dos Anjos e dos Mártires (1563-66) |
Desenhos |
Desenhos |
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